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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Opinião

O que são as eleições para você? E por quê a abstenção?

Sam Cyrous é pesquisador em Psicologia Clínica e Cultura pela UnB, psicólogo, logoterapeuta e analista existencial

Postado em 28 de outubro de 2022 por Redação

Para muitos, o processo eleitoral é algo sagrado, ímpar, fundamental. Para um a cada quatro brasileiros é algo que talvez não seja tão significativo. Para uma democracia jovem, que consideram nascida em 1989, uma abstenção de 29% pode até estar na média mundial (que oscila entre 60 e 79%, segundo o International Institute for Democracy and Electoral Assistance), mas demonstra que quem decide são os que podemos chamar de abstencionistas.

Em 2005, por exemplo, no Iraque, 63% da população, apesar das ameaças constantes por sua segurança, saíram para as ruas para votar a Constituição — e isso é visto como abstenção baixa, dadas as circunstâncias. Já na Itália, as eleições com mais alta taxa de abstenção de sua história, em setembro último, levaram a uma mudança ímpar na outrora Itália Prodi-Berlusconi. Enquanto o primeiro caso era um exemplo de democracia em esperança, o segundo é de uma democracia cujo eleitor perdeu a esperança.

Os processos se repetem em vários espaços. Como psicólogo, notei nas últimas eleições para o Conselho Federal de Psicologia. Dos mais de 300 mil psicólogos inscritos, menos de 97 mil votaram, ou seja, cerca de 31%. Esses números demonstram um descrédito do processo. E isso se repete em todos os espaços.

A questão é que não costuma haver políticas reais de incentivo ao voto. Não costuma ser o desejo dos politicamente poderosos, porque implica mudar a lógica do sistema que os elegeu e quem quer mudar as regras que lhes conferem poder? Pelo contrário, o que geralmente ocorre é dificultar aqueles que não votam neles, a cada dia uma regra nova que afeta desproporcionalmente os processos. É necessário diminuir as barreiras sistêmicas, principalmente no registro do eleitor — por exemplo, Meredith Rolfe (Universidade de Massachusetts) aponta que a participação em processos eleitorais aumenta quando se facilita o registro do eleitor. Quando isso ocorre, inclusive os mais jovens tendem a votar mais.

A juventude é a garantia de futuro de uma região ou até de qualquer instituição. A sua inclusão no processo é fundamental para que a inovação seja possível e o país ou a instituição não estejam fadadas à morte ou ao envelhecimento. A título de exemplo, Anthony Fowler (Universidade de Chicago) observou que a participação juvenil aumenta em 2,1% a votação em certas regiões.

O problema surge, contudo, quando em sistemas políticos (sejam públicos ou em instituições) não se quer uma participação mais aberta e universal. E aqueles que a desejam se mantêm em silêncio, oferecendo a perfeita desculpa aos detentores de poder de “ninguém quer a mudança, não precisamos da mudança”. Mas todo dia há mudança e negá-la é oferecer um futuro que repete o passado, nas palavras do poeta.

Viktor Frankl, neurologista e psiquiatra que fundou a Logoterapia e Análise Existencial, diz que a massificação que nasce desse silêncio é um perigo tremendo. Daqui nasce o sentimento de conformismo, e deixamos de fazer o que a nossa consciência nos convoca para deixar acontecer o que os outros querem que aconteça ou, ainda, literalmente agimos como os outros querem que ajamos, nos tornando vítimas de um totalitarismo. Ora, não podemos esquecer que estamos falando de um silêncio que nós nos colocamos. Não são os outros: nós decidimos nos silenciar! E esse silêncio, essa pseudo-abstenção da decisão, é em si uma decisão: um convite ao outro fazer conosco o que ele quiser, numa ilusão de não-decisão (ilusão, porque não existe tal coisa como não decidir e, neste caso, estaríamos decidindo pela ilusão).

Os grupos podem ser diariamente silenciados! Veja-se o caso do Irã, onde Mahsa Amini foi morta em setembro pela “polícia da moralidade” por mostrar fios de cabelo por baixo de um véu. Ela foi silenciada pela morte brutal, mas seus concidadãos não! Manifestações se erguem no Irã, dia após dia, e o silenciamento continuou matando cerca de uma centena de manifestantes. As manifestações continuaram rompendo o silêncio e o governo cortou a internet do país. E as manifestações continuaram rompendo o silêncio com figuras internacionais como Jessica Chastain dando voz a elas. Neste caso, temos uma população que não se deixa silenciar.

No caso de processos eleitorais, a sua não-participação se torna um silenciamento auto-imposto. Caroll Glynn (Universidade Estadual de Ohio) explica o que a Ciência Política designa de Espiral de Silêncio, como relacionada à polarização de certos temas, a crença de ter uma opinião minoritária e, consequentemente, o medo de ficar nessa minoria ou até isolada. 

Frankl é muito lembrado por falar de duas classes de homens — os “santos” e os “torpes”. Mas ele também faz outra divisão: os que marcam o passo e os que querem a paz. Podemos ver aqueles que querem a paz como os que se escondem por trás de seu manto, quando na verdade são os que não querem as coisas mudando. Um senhor da guerra que lucra com a venda de armamento, diz Frankl, quer a manutenção da guerra. Isso não é paz! Quando enxergam injustiças e não interferem, dizendo “quero ser deixado em paz”, a única coisa que não alimentam é a paz. Esses são os que Frankl critica como os que são “pacificadores” — dizem querer uma paz, mas não a paz real, a paz da manutenção do status quo e de seu poder. Sua abstenção é um voto favorável à manutenção das circunstâncias.

Os outros, ele diz, são os que marcam o passo. Para isso, é necessário questionar, duvidar, colocar em causa. Essa pessoa não diz “é assim porque eu creio”, diz “eu creio porque é assim”. Aqui estamos falando em apossarmo-nos de nossas escolhas, assumir a liberdade de nossa vontade e pensar com a nossa consciência e não em base a tradições. É sobre a responsabilidade de ouvir com nossos ouvidos e não com o ouvido de outro que filtra e nos diz o que fazer. É ver com os nossos olhos e não com os olhos de alguém que acha que conduz o caminho. Então, é sobre buscar, livre e independentemente, a verdade.

É o “marcador de passo”, como Frankl chama, que quebra o silêncio, e nos faz ver que o conhecimento tem um papel social: a construção de um mundo equânime, onde a paz é real. Não se trata de gritar pelas ruas em nome da paz. Senão de responder à pergunta que a vida nos faz com ações que são nossas e são diferenciadas!

São essas pessoas que fazem a caminhada e nos convidam a uma nova caminhada, não só em direção ao nosso progresso pessoal, mas ao progresso que é coletivo. Não se trata mais sobre quem somos, mas quem deveríamos ser enquanto humanidade. É nessa caminhada de tensão que evoluímos.

As pessoas se deixam influenciar, mas precisam romper os silêncios que aceitam que lhes ponham. Podemo-nos influenciar por aqueles que estão conosco na caminhada, mas não podemos jamais esquecer que essa caminhada é coletiva e, como tal, necessitamos tolerância — e mais! —, respeito pelo outro, pelo que faz, pensa e diz, dialogando com a mente aberta e com empatia. Não se deixar influenciar, mas aceitar e mudar. É no diálogo que percebemos questões profundas e escapamos da massificação que impomos a nós mesmos.

Sem o outro e sem serviço, na busca por “ser deixado em paz”, tornamo-nos falsos-pacificadores que temem a mudança, porque nos auto-centramos! Ao invés, é necessário auto-transcendermos e rompermos os silêncios. Precisamos marcar o passo, caminhar e agir. Ou, como diz Frankl em “Sobre o Sentido da Vida”, precisamos ter a clareza que no serviço encontramos o sentido de nossa existência pessoal e coletiva. E não há como assumirmos a responsabilidade quando o nosso silêncio auto-imposto e auto-centrado mantém as coisas como são.

Sam Cyrous é pesquisador em Psicologia Clínica e Cultura pela UnB, psicólogo, logoterapeuta e analista existencial

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