O Hoje, O Melhor Conteúdo Online e Impresso, Notícias, Goiânia, Goiás Brasil e do Mundo - Skip to main content

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Descaso

Roraima alertou União sobre desnutrição de crianças Yanomami

Defesa Civil do Estado não teve pedidos atendidos pelo governo federal

Postado em 3 de fevereiro de 2023 por Agência Brasil
Indígenas denunciam assassinato de três yanomami em Roraima
A informação foi divulgada neste domingo (5) pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'Kuana (Codisi-YY) | Foto: Fernando Frazao/Agência Brasil

Documentos obtidos pela Agência Brasil confirmam que, ao menos desde 2021, o governo federal sabia que índios yanomami estavam sofrendo com a falta de alimentos. Mesmo assim, deixou de atender a pedidos da Defesa Civil de Roraima, que já na época manifestou a intenção de colaborar na assistência às comunidades da Terra Indígena Yanomami, que é de responsabilidade federal.

“O governo estadual pediu o apoio federal para que pudéssemos reforçar a ação humanitária em comunidades indígenas isoladas pelas chuvas intensas de 2021 e também às da área yanomami”, contou à reportagem o coordenador da Defesa Civil de Roraima, coronel Cleudiomar Alves Ferreira, referindo-se ao pedido feito em junho de 2021, por meio de ofícios encaminhados aos extintos ministérios da Mulher, Família e Direitos Humanos e Desenvolvimento Regional (MDR).

Nos documentos a que a Agência Brasil teve acesso, o governo estadual requer ao Poder Executivo Federal 8 mil cestas básicas além das que receberia para distribuir para famílias de cidades que decretaram situação de emergência devido às consequências das chuvas “atípicas” que atingiram parte do estado em 2021. Na ocasião, o governo estadual já tinha reconhecido a emergência em nove cidades (Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Normandia, Rorainópolis, São João da Baliza, São Luiz do Anauá e Uiramutã).

“Com isso, o Ministério do Desenvolvimento Regional, por intermédio da Secretaria Nacional de Defesa Civil, nos mandou recursos [financeiros] para adquirirmos cestas básicas e alugarmos as aeronaves que usamos para levar mantimentos às comunidades isoladas”, acrescentou Ferreira.

Ainda segundo o coordenador da Defesa Civil estadual, a intenção era obter 8 mil cestas adicionais e entregá-las às comunidades indígenas de várias localidades, incluindo as da terra yanomami onde, estima-se, cerca de 40 mil índios da etnia vivem em área de difícil acesso. Para isso atender às comunidades indígenas “atingidas pela grave situação humanitária”, o governo estadual também pediu o apoio logístico das Forças Armadas.

“O ministério [da Mulher, Família e dos Direitos Humanos] respondeu que não tinha como nos ajudar. Informou que tinha direcionado nossos pedidos ao Ministério da Defesa, à Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas, então vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública] e a outros órgãos. Depois, nos disse que a fundação indígena atenderia aos índios isolados de todo o estado [incluindo os yanomami], distribuindo cerca de 70 mil cestas de alimentos a pouco mais de 11,6 mil famílias. Não sei dizer o que aconteceu depois, mas avalio que se tivéssemos recebido o apoio solicitado, se a ajuda humanitária tivesse chegado em caráter emergencial, teríamos conseguido atender também aos yanomami, o que não conseguimos fazer devido, principalmente, à falta de apoio logístico [de transporte]”, resumiu o coordenador da Defesa Civil estadual.

Garimpos

Nos ofícios a que a Agência Brasil teve acesso e que podem ser acessados na íntegra nesta matéria, o governo de Roraima e o Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos se referem à “grave situação humanitária” que as comunidades indígenas em geral enfrentavam e também à “falta de alimentação e desnutrição infantil vivenciada pelos yanomami” já em 2021. Os problemas, no entanto, são mencionados como “decorrentes da alta pluviometria”, ou seja, das fortes chuvas, que atingiram o estado naquele ano.

Para organizações indígenas e órgãos públicos, como o Ministério Público Federal (MPF), que há tempos denunciam a crise humanitária no território yanomami, tanto os efeitos das chuvas, como os da pandemia da covid-19, foram agravados pelas consequências nefastas da presença ilegal de cerca de 40 mil garimpeiros no interior da terra indígena, a maior do país, com quase 9,6 milhões de hectares. Cada hectare corresponde às medidas aproximadas de um campo de futebol oficial.

De acordo com a Hutukara Associação Yanomami, a área florestal destruída por garimpeiros no interior da reserva yanomami vem crescendo exponencialmente, tendo saltado de 1.236 hectares devastados em 2018, para os 5.053 hectares desmatados em dezembro de 2022, desestruturando o modo de vida indígena.

Segundo a organização não governamental (ONG) Instituto Socioambiental (ISA), a crise humanitária que os yanomami enfrentam, com consequências sanitárias, ambientais, socioculturais e econômicas, também é reflexo da desestruturação da assistência à saúde indígena nos últimos cinco anos. Segundo a atual gestão federal, ao menos 570 crianças yanomami morreram por causas evitáveis nos últimos quatro anos.

“É inequívoca a associação entre a devastação que a mineração ilegal provoca e a propagação da malária, facilitada pela multiplicação de invasores e pelas crateras com água parada, fruto da atividade e propícias à proliferação de mosquitos transmissores da enfermidade”, destaca o ISA.

Difamação

Consultada pela reportagem, a ex-ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos e atual senadora, Damares Alves, afirmou que a pasta fez exatamente o que lhe cabia fazer: pedir auxílio às instâncias do governo federal responsáveis por prestar a ajuda solicitada pelo governo estadual.

“Foram enviados inúmeros ofícios aos demais ministérios e as respostas recebidas foram positivas quanto ao atendimento das demandas. Órgãos como Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] e Funai informaram ter distribuído cestas básicas e realizado ações emergenciais de atendimento aos indígenas”, sustenta a senadora na nota enviada por sua assessoria. A reportagem entrou em contato com a Funai na segunda-feira (30), mas ainda não recebeu informações sobre o que se passou na gestão anterior.

“Nenhuma campanha difamatória, como a que tem sido realizada desde o último mês, irá apagar todo o trabalho feito por toda uma vida pela senadora em favor dos povos indígenas. Damares Alves é, efetivamente, uma indigenista. E vai continuar trabalhando e dedicando seu mandato para que todos eles tenham direito a uma vida digna e plena”, acrescentou a senadora, que já tinha usado as redes sociais para assegurar que o governo Bolsonaro distribuiu as cestas básicas necessárias diretamente aos yanomami.

Desassistência

Também em nota, o governo de Roraima confirma que, após as fortes chuvas de 2021, identificou a necessidade de apoio federal para socorrer as populações atingidas e atribuiu a atual situação do povo yanomami à “desassistência por parte do governo federal”.

“Sempre estive muito atento aos problemas do estado e sei da fragilidade que temos por ser uma unidade federativa pequena e ainda muito dependente dos recursos vindos do governo federal. Por esse motivo, é regra em nosso governo a atenção a tudo, o pedido de auxílio quando necessário, o atendimento de todos os pedidos dentro das nossas possibilidades e a coerência com as nossas ações”, afirmou o governador Antonio Denarium na longa resposta com que a Secretaria Estadual de Comunicação detalhou uma série de ações desenvolvidas nos últimos anos.

“No caso específico dos povos indígenas, o governo estadual sempre buscou atuar com alternativas de inclusão nas etnias onde essa inclusão era permitida, mas dentro dos limites, respeito a cultura e aos hábitos de cada povo”, acrescenta o governo roraimense, destacando que no caso da saúde, o atendimento inicial é de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde, e, mesmo assim, em quatro anos, 27.650 indígenas foram atendidos em um dos cinco hospitais públicos da capital, Boa Vista.

Denarium também comentou as críticas que recebeu em função de recentes afirmações. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o governador negou, em entrevista, a gravidade da crise sanitária exposta com a divulgação de imagens de adultos e crianças visivelmente subnutridos, muitos com as barrigas inchadas, em um claro sinal de verminoses, e com as unidades de saúde de Boa Vista lotadas de yanomamis transferidos às pressas para receber suporte médico devido à malária, infecção respiratória aguda e outras doenças para as quais não há remédios nos polos base. Além de mobilizar a opinião pública, o impacto das imagens motivou o governo federal a declarar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para combater a crise sanitária e humanitária.

“Com relação às críticas feitas em veículos nacionais, o governador se diz tranquilo, pois acredita que muita coisa foi tirada de contexto. Esquecem que essa desassistência por parte do governo federal é que causou essa situação dos povos yanomami”, aponta Denarium na nota enviada à Agência Brasil. “Reafirmo ser contrário ao garimpo em área indígena e que não quero ver indígenas ou não [indígenas] vivendo e passando por privações. Principalmente, não quero soluções paliativas como as feitas até hoje. Precisamos, juntos, unidos, governo do Estado e governo federal, dar soluções definitivas para todo e qualquer problema que aflige a nossa gente, sejam eles indígenas ou não”.

Você tem WhatsApp ou Telegram? É só entrar em um dos canais de comunicação do O Hoje para receber, em primeira mão, nossas principais notícias e reportagens. Basta clicar aqui e escolher.
Veja também