Gêmeas siamesas passam por cirurgia cardíaca em Goiânia
Procedimento feito no Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) é raro e inédito no Brasil
Com menos de cem dias de vida, as gêmeas siamesas, Lara e Larissa, que dividem parte do corpo, foram submetidas a um procedimento cirúrgico para o fechamento do canal arterial de uma delas, no Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol). A cirurgia foi realizada com a presença do médico Cirurgião Pediátrico, Zacharias Calil e da médica cardiologista e coordenadora do serviço de cardiologia pediátrica do Hugol, Mirna de Sousa.
O procedimento foi um sucesso e atualmente as irmãs se recuperam no Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad), onde estão internadas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). O médico que acompanha o caso das bebês desde o nascimento delas, Zacharias Calil, afirma que as crianças estão evoluindo bem.
Apesar das duas terem sido submetidas à cirurgia, uma delas apenas, a Larissa tem um problema cardiovascular. No entanto, segundo o especialista, o problema afetava a vida das duas crianças, uma vez que elas dividem o mesmo sangue. Tanto é que antes da cirurgia, as recém-nascidas estavam em ventilação mecânica, necessitando do uso de máquina para auxiliar a entrada e a saída de ar nos pulmões.
Procedimento
Mirna explica que o procedimento foi realizado através de cateterismo, ou seja, sem cortes.
Ela acrescenta que o Hugol é um dos poucos hospitais no Brasil que fazem esse tipo de cirurgia, sendo o primeiro a fazê-la em gêmeas siamesas, que por si só já é um caso raro. “É uma condição mais rara, e mais raro ainda é o tratamento de cardiopatia em uma criança nessa condição. A realização desse procedimento em gêmeas siamesas é inédito no país”, reitera.
Além disso, a cardiologista diz que ainda não foi identificado outro caso desses em outro lugar do mundo. “Não achamos no mundo nenhum caso semelhante até hoje descrito na literatura”. afirma.
O canal arterial é uma estrutura que tem como função fornecer a circulação de oxigênio para o sangue do feto, mas após o nascimento precisa se fechar. Isso ocorre de maneira natural e espontânea. No entanto, quando isso não acontece, essa estrutura vascular começa a aumentar o fluxo de sangue para o pulmão e consequentemente sobrecarrega o coração, segundo a explicação da médica.
Nesse sentido, a consequência da persistência do canal arterial, termo usado para definir a anomalia, é uma sobrecarga, tanto para o pulmão, quanto para o coração. As complicações pela problemática, podem levar à morte do bebê, principalmente quando se trata de recém-nascidos prematuros com essa patologia.
Mirna salienta que esse tipo de cirurgia pode ser feito de duas formas, através de uma abordagem cirúrgica ou por meio do cateterismo cardíaco – maneira menos invasiva e mais segura, mas também mais delicada e com necessidade de mais tecnologia. “Então é necessário uma expertise diferenciada, uma estrutura, aparelho de hemodinâmica, a prótese adequada para o fechamento deste canal”, detalha.
A intervenção envolve uma gama de detalhes que tornam esse procedimento especial para os especialistas. “Primeiro, a realidade do caso, segundo a necessidade de uma estrutura gigantesca, com alta tecnologia e expertise muito afinada, uma equipe, um time muito afinado, de alta tecnologia”, explica.
Segundo a cardiologista, a cirurgia envolveu um time de cardiologia pediátrica, hemodinâmica infantil, cirurgia cardíaca pediátrica, ecocardiograma e angiotomografia. “Depois que tudo isso foi feito, aí ele foi executado de uma forma, assim, muito precisa naquele momento, com tudo orquestrado de uma forma, como se fosse uma grande sinfonia que funcionou perfeitamente”, comemora ao destacar que o procedimento foi realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que representa uma grande vitória para a população.
Ainda de acordo com a médica o grau de complexidade em siamesas é muito maior, mas a equipe médica da unidade de saúde realizou todo o processo com maestria. “Isso mostra para a sociedade que o Hugol tem um nível de qualidade equivalente a grandes centros hospitalares no mundo. Em termos de tecnologia, nós não perdemos para nenhum lugar e isso motiva a equipe a se aperfeiçoar sempre mais, pois podemos chegar muito mais longe”, afirma.
De acordo com Calil, do tórax para baixo as irmãs dividem todos os órgãos, compartilhando até mesmo a membrana do coração, que é o pericárdio. Elas dividem o fígado, o intestino delgado e intestino grosso, a bacia, a genitália, além de terem três pernas. “Da nossa especialidade da cirurgia pediátrica, esse é o caso mais complexo que nós temos, ainda mais com esse tanto de malformações associadas”. afirma o médico. Apesar de todas as complicações, as siamesas sobrevivem com ajuda da tecnologia disponibilizada no hospital.
O Hugol, único hospital no estado de Goiás que possui UTI Cardiopediátrica, conta com serviço de hemodinâmica e cirurgias cardíacas. Desde o início dos serviços, a unidade já realizou 253 cirurgias cardíacas pediátricas somente de janeiro de 2020 a dezembro de 2023 e 383 procedimentos de hemodinâmica em crianças, no período de abril de 2018 a dezembro de 2023.
Rotina nas redes sociais
Em um perfil nas redes sociais, a mãe Kátia Márcia Cardoso, compartilha a rotina das filhas. No último dia 24 de janeiro, após o procedimento cirúrgico para para o fechamento do canal arterial da pequena Larissa, a mulher compartilhou fotos de um exame de ultrassom onde escreveu: “ A cirurgia da nossa princesa foi um sucesso. Um super procedimento realizado pelo SUS”.
O anúncio de que as gêmeas que gerava em seu ventre eram siamesas, foi feito no perfil que leva os nomes das pequenas, no dia 10 de setembro de 2023. À época, a mãe, que estava com sete meses de grávida, informou que ela e o marido estavam felizes com a chegada das filhas. O casal mora no estado do Pará, mas a mãe precisou vir para Goiás para fazer o parto e demais tratamentos das gêmeas.