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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Sistema prisional

Muito além de superlotação, relatório do CNJ aponta problemas penitenciários

Inspeção realizada pelo Conselho Nacional de Justiça visitou 20% das penitenciárias em oito municípios, entre 29 de maio e 2 de junho de 2023

Postado em 12 de dezembro de 2024 por Letícia Leite
Das 19 unidades visitadas, apenas cinco apresentavam números dentro da capacidade ideal. Foto: Luiz Silveira | Agência CNJ

O sistema prisional abriga atualmente 22 mil detentos no Estado de Goiás, características como a superlotação são realidade dentro dos presídios. Essa foi a conclusão de um relatório de inspeção realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a equipe visitou 20% das penitenciárias em oito municípios: Anápolis, Aparecida de Goiânia, Mineiros, Rio Verde, Águas Lindas, Novo Gama, Planaltina de Goiás e Valparaíso, entre 29 de maio e 2 de junho de 2023. 

Destas 19 unidades visitadas, apenas cinco apresentavam números dentro da capacidade ideal. A Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia se destacou com uma ocupação superior a 200%. Em uma de suas celas, 76 detentos dividiam apenas 22 colchões.

A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) estabelece diversas obrigações e diretrizes que as instituições penais no Brasil devem seguir para assegurar o bem-estar dos presos. Contudo, essa não reflete a realidade das penitenciárias no Brasil.

O advogado criminalista e presidente da Comissão de Direito Penal Econômico da Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás, Gilles Gomes, explica que o principal vetor da superlotação nos presídios é a chamada prisão preventiva ou prisão cautelar. “Infelizmente, a gente tem visto cada vez mais a utilização da prisão preventiva em situações nas quais outras medidas cautelares poderiam ser utilizadas”, explica.

Outro problema citado por ele é o isolamento, ao que presos das unidades estaduais, que são chamadas aquelas de segurança máxima, são submetidos.

“Eles não têm contato com os seus advogados, contato visual, de modo que os advogados não têm sequer condição de saber como que está a situação de integridade física deles. Além disso, os diálogos entre os advogados e os seus clientes não têm sido feitos de forma privada, em sigilo, como determina tanto a Lei de Execução Penal quanto o Estatuto da OAB”.

O terceiro ponto destacado, é que mesmo após a Polícia Penal revogar a Portaria 492, ainda há relatos de que os Procedimentos Administrativos Disciplinares (PAD), têm sido utilizados como forma de exercer controle contra as pessoas privadas de liberdade. Toda falta disciplinar de natureza grave gera uma repercussão no cumprimento da pena. 

“Há informações no sentido de que presos que não cometem infrações disciplinares têm sido penalizados com condenações em procedimentos administrativos disciplinares, e isso é muito grave”, diz.

Mais problemas 

O relatório registrou ainda relatos de tortura, indisponibilidade de água potável, problemas de alimentação, precariedade das estruturas e falta de assistência jurídica. 

“Denúncias recebidas em todas as unidades prisionais revelam episódios preocupantes de tortura, envolvendo alegações de práticas como eletrochoques, afogamentos, sufocamentos, desmaios, agressões em áreas genitais, tapas e, inclusive, empalamento”, acrescenta o documento. 

Um dos casos de tortura enfrentados pelos detentos é destacado na Unidade Prisional Especial de Planaltina de Goiás. A inspeção tomou conhecimento de “muitos informes” de que “haveria um espaço denominado ‘galpão’, onde ocorreriam supostas práticas de tortura e maus-tratos.”

A inspeção também evidenciou a “indisponibilidade de água potável”, que é fornecida apenas durante as refeições de almoço e jantar. Existem dificuldades com a oferta regular e adequada de itens básicos de higiene, limpeza e vestuário. O relatório aponta para a entrega de “alimentação em quantidade e qualidade inadequadas”. 

No Complexo de Aparecida de Goiânia, um dos detentos entrevistados “relatou que, devido a alimento estragado desenvolveu problema gastrointestinal e agora usa bolsa de colostomia”.

Além disso, foi observado que a Defensoria Pública de Goiás prestava atendimento apenas em três unidades prisionais. Isso implica que, entre os mais de 7.200 detentos no estado, menos da metade recebia suporte legal.

Ele explica que faltam recursos humanos, infraestrutura adequada e assistência médica e educacional, entre outras obrigações estabelecidas pela legislação visando ao cumprimento adequado da pena e à garantia do retorno do detento à sociedade. 

“Tratar essas pessoas de uma forma digna, é a primeira medida para que a gente possa repensar o sistema prisional. A segunda, delegar para outros ramos do direito a punição ou averiguação de condutas que não expressam uma agressão a bens jurídicos, como, por exemplo, o homicídio e latrocínio. Que aí sim, tem um empenho muito maior na investigação desses crimes considerados de fato graves, como, por exemplo, o homicídio, em que a taxa de resolutividade no Brasil hoje é mais ou menos 8%”, continua.

Sobre a falta de assistência médica e educacional, ele afirma que o estado está longe do ideal, mas já é possível ver sim, o que é chamado de processo de organização, em relação a assistência médica. 

“Agora, assistência educacional, parece que precisa mudar um pouquinho o conceito do que a gente entende como assistência educacional. Que tipo de educação a gente quer passar para as pessoas que estão presas? Uma educação singela, no sentido de mantê-los no mesmo estrato social do qual eles vieram, ou uma educação que possibilite que eles conheçam, acessem novos”, questiona Gilles.

O Brasil é um país que prende muito ou prende pouco?

No cenário de um sistema penitenciário deteriorado, levanta-se a questão: no Brasil, há excesso de encarceramento ou é insuficiente? Para diversos operadores do Direito, a Justiça brasileira e as normas penais são rigorosas em relação a infrações que, na realidade, poderiam ser sancionadas com medidas alternativas ao cumprimento de pena em regime fechado – a qual é a sanção mais severa no país.

Para Gilles, o país “encarcera muito”, pois ainda se aposta numa ideia de prevenção geral, em que as pessoas presas servem de exemplo para que outras pessoas não cometam crimes.

Segundo o advogado, com o passar dos tempos mais condutas são consideradas crimes, e ele faz um questionamento “será que a gente precisa de tanto crime assim na sociedade?”. 

“Continua tendo taxas de crimes bastante expressivas, e isso é sinônimo de que essa percepção está equivocada, a gente precisa buscar uma outra forma de tratar o problema do crime que nos acompanha desde que a humanidade existe. Sempre vai ter alguém infringindo normas e a gente vai sempre ter que buscar alternativas para encontrar essa paz, essa harmonia social”, define.

Ele acrescenta que é necessário buscar alternativas que possibilitem a revisão da ideia de que a prisão é a solução para os problemas. “Agora, o que não dá, é o Estado passar a cometer crimes contra pessoas que cometem crimes, porque no final das contas é isso que acontece”.

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