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terça-feira, 13 de maio de 2025
Novos rumos da justiça

CNJ pede revisão dos planos antimanicomial de Goiás

O Estado goiano e o Rio de Janeiro devem ajustar planos para atender às novas diretrizes da Política Antimanicomial, com foco na reabilitação em vez de punição

Renata Ferrazpor Renata Ferraz em 25 de abril de 2025
CNJ
Foto: Arquivo

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou que os estados de Goiás e Rio de Janeiro apresentem seus planos de ação para implantar a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Essa política tem como objetivo transformar a forma como a Justiça lida com pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes.

O pedido do Conselho aconteceu porque os documentos enviados por esses estados estavam incompletos, segundo análise técnica do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF).

Enquanto isso, os estados do Piauí e Maranhão ainda não entregaram qualquer proposta, apesar de terem sido oficialmente convocados. Por outro lado, o Ceará é o único estado brasileiro que já declarou ter finalizado completamente a implementação da política.

A Política Antimanicomial foi criada pela Resolução CNJ n. 487/2023 e se baseia na Lei Federal n. 10.216/2001, que trata da reforma psiquiátrica no Brasil. A ideia é que o tratamento das pessoas com transtornos mentais seja feito fora dos hospitais psiquiátricos, em liberdade, com apoio de redes de saúde, justiça e assistência social.

A proposta é substituir os hospitais de custódia e as alas psiquiátricas nas prisões por um modelo de atendimento mais humanizado, focado na recuperação e reinserção social.

Até agora, 12 estados se comprometeram a concluir seus planos até 2025, e outros 10 estados têm previsão de finalização até 2026. Os planos devem incluir medidas como a interdição progressiva de instituições com características de manicômios, revisão de medidas de segurança e elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS).

Segundo dados atualizados do CNJ, 1.750 pessoas seguem internadas nesses locais, sendo São Paulo o estado com maior número de internos, somando 898. 

Atualmente, o Brasil conta com 32 hospitais de custódia e cerca de 4,7 mil pessoas com transtornos mentais que cumprem medidas de segurança. Essas unidades funcionam como prisões para pessoas que, ao cometerem crimes, foram consideradas inimputáveis pela Justiça por causa de transtornos mentais e, por isso, deixaram de cumprir penas e passaram a ser submetidas a medidas de segurança.

Segundo o coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi, a política Antimanicomial reforça o compromisso do Judiciário com a legalidade, os direitos humanos e o tratamento digno das pessoas com transtornos mentais. 

“Quando trabalhamos essa política com enfoque na saúde, tratamos de assistência, respaldamos a segurança e a não desassistência a essas pessoas”, afirmou. Essa iniciativa faz parte do Plano Pena Justa, que busca corrigir injustiças no sistema prisional brasileiro, com apoio do programa Fazendo Justiça, uma parceria entre o CNJ e a ONU.

O advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros, que é conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirma que a legislação brasileira já prevê que pessoas com transtorno mental, que não compreendiam seus atos no momento do crime, não podem ser punidas como as demais. “Elas recebem medidas de segurança, como internação ou tratamento ambulatorial. Não se trata de punição, mas de proteção à sociedade e cuidado ao indivíduo”, diz.

O advogado também destaca que até mesmo a internação não deve ser eterna. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que deve haver um tempo máximo de permanência, semelhante à pena prevista para o crime cometido. Se um laudo médico atestar que a pessoa não representa mais risco, ela pode ser liberada. “O sistema tenta equilibrar proteção à sociedade, dignidade humana e um olhar justo sobre esses casos.”

O também criminalista Gabriel de Castro, mestre em Direitos Humanos, explica que o tratamento penal depende da capacidade mental da pessoa. “Existem os imputáveis, que respondem normalmente; os inimputáveis, que recebem medidas de segurança; e os semi-imputáveis, que têm compreensão parcial e podem ter pena reduzida ou medida de segurança.”

Segundo ele, o processo para definir isso é feito por meio do “incidente de insanidade mental”, previsto no Código de Processo Penal. Ele também destaca a importância da atuação do advogado na coleta de provas que comprovem a condição do réu. “O advogado deve ser diligente para garantir que o tratamento legal adequado seja aplicado.”

Gabriel também cita a necessidade de encaminhar essas pessoas aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), em vez de interná-las em hospitais psiquiátricos, como ocorria em casos extremos como o da Colônia de Barbacena. Ele lembra que Goiás possui um programa pioneiro, o Programa de Apoio ao Louco Infrator (PAILI), criado pelo promotor Haroldo Caetano, que é referência nacional.

Sem manicômios judiciários: veja como o Estado aplica as penas

Em Goiás, o foco é o atendimento ambulatorial de pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes. O estado não possui manicômios judiciários como os tradicionais. Os pacientes são acompanhados em hospitais públicos e privados, com consultas, terapias e apoio psicossocial. O Pronto Socorro Psiquiátrico Prof. Wassily Chuc, em Goiânia, é um dos locais que prestam esse tipo de atendimento.

O estado também nunca construiu o manicômio judiciário previsto, e o local planejado virou o presídio de segurança máxima conhecido como Núcleo de Custódia. A prioridade em Goiás é reabilitar, e não punir. Em casos de crise, pode haver internação temporária, mas o objetivo principal é a recuperação.

A Política Antimanicomial tem, em no Estado, um aliado de peso: o PAILI. Criado a partir de uma parceria entre o governo estadual, o Ministério Público, o Judiciário e os municípios, o programa atende atualmente 243 pessoas em 77 cidades goianas. 

Todas estão submetidas a medidas de segurança e são acompanhadas de perto. Os pacientes participam de atividades terapêuticas, recebem visitas de equipes multidisciplinares e são incentivados a se reconectar com suas famílias e comunidades. O foco é a autonomia e o cuidado em liberdade, em consonância com os princípios da Reforma Psiquiátrica.

O programa cumpre todas as diretrizes da Lei da Reforma Psiquiátrica, priorizando o atendimento fora dos manicômios. A internação é utilizada apenas quando os recursos disponíveis fora do hospital se mostram insuficientes. As ações desenvolvidas envolvem o apoio à família do paciente, a realização de reuniões com as equipes de saúde, campanhas de sensibilização da população e a avaliação jurídica e psicológica de cada caso.

A proposta antimanicomial do CNJ busca transformar o modelo, valorizando a liberdade, o cuidado contínuo e a articulação com redes de saúde e assistência social, de forma que os direitos humanos possam ser amplamente defendidos.

Leia mais: Goiás reforça luta contra meningite após registrar 30 casos da doença

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