Dino volta a debater uso de emendas que têm impacto direto em Goiás
Ministro quer ouvir especialistas sobre a execução de emendas parlamentares, que geraram crise em municípios goianos após bloqueios motivados por falta de transparência
Bruno Goulart
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai reunir especialistas, entidades e órgãos públicos em uma audiência pública para discutir a execução das chamadas emendas impositivas, incluindo as polêmicas emendas Pix e as emendas de bancada, cujas finalidades e transparência têm sido duramente questionadas.
Convocada pelo ministro Flávio Dino, a audiência visa aprofundar o debate técnico e reunir subsídios para ações que tramitam na Corte sobre o tema. A audiência será realizada com apoio dos núcleos internos do STF — o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL) e o Núcleo de Processos Estruturais (NUPEC) — e terá a participação de especialistas previamente inscritos até 10 de junho.
Emendas pix
Desde o segundo semestre de 2024, Flávio Dino tem liderado no STF as discussões em torno da necessidade de transparência e rastreabilidade nas emendas parlamentares, especialmente nas transferências diretas feitas por Pix, criadas como forma de agilizar o repasse de recursos federais a estados e municípios, sem necessidade de convênios ou trâmites burocráticos.
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No entanto, o modelo — que ficou conhecido como “emenda Pix” — rapidamente passou a ser alvo de críticas de órgãos de controle. Relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) apontaram ausência de critérios objetivos, irregularidades na destinação e falta de prestação de contas, além de indícios de favorecimento político. O governo federal, pressionado pelas conclusões da CGU, decidiu bloquear parte dos repasses no final de 2024 e estabeleceu restrições mais rígidas no início deste ano, causando forte impacto nas finanças de centenas de municípios — em especial em Goiás.
Na prática, muitas prefeituras goianas já haviam comprometido recursos próprios, contando com a liberação das emendas. Com o bloqueio, o resultado foi um colapso em obras públicas e ameaças ao pagamento da folha salarial. Um prefeito goiano ouvido em off pelo O HOJE, à época, relatou que o corte inviabilizou a continuidade de projetos e levou seu município a uma situação fiscal crítica.
Emendas de bancada
Além das emendas Pix, o Supremo também volta suas atenções às emendas de bancada, criadas para financiar obras de grande porte de interesse estadual, como hospitais e infraestrutura viária. No entanto, uma brecha no processo orçamentário tem permitido que esses recursos sejam pulverizados entre diversos municípios, prática considerada inconstitucional por especialistas.
Em Goiás, esse modelo de emenda tem sido usado de forma política e estratégica. Dados do Portal da Transparência do Tesouro Nacional, levantados pelo O HOJE, mostram que entre 2018 e 2024 a bancada goiana destinou R$ 1,5 bilhão em emendas de bancada. Do total, R$ 533 milhões foram destinados ao governo estadual, enquanto R$ 500 milhões foram enviados diretamente a prefeituras — quase metade do montante, mesmo que isso seja formalmente proibido.
O motivo por trás da prática é eleitoral: ao direcionar recursos para prefeituras, os parlamentares ganham visibilidade na região, fortalecem alianças com prefeitos e colhem apoio nas urnas. Essa lógica transformou as emendas em moeda de troca política, com repasses sendo registrados de forma genérica no Orçamento e, posteriormente, redirecionados a cidades específicas.
O ministro enfatizou que a audiência não tratará de denúncias específicas ou casos de improbidade, mas que o objetivo é “reunir contribuições qualificadas para que o STF avance no mérito das ações em curso”. Os dados e argumentos apresentados serão encaminhados à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Advocacia-Geral da União (AGU).