Em Goiás, emendas viram moeda política e desviam foco de obras
Recursos que deveriam financiar grandes projetos estaduais são redirecionados para prefeituras goianas por brecha no Orçamento; prática se repete em todo o país e já movimentou quase R$ 20 bilhões desde 2017

Bruno Goulart
Em Goiás, as emendas de bancada estadual, que deveriam ser destinadas a projetos estruturantes como hospitais e rodovias, têm sido uma importante ferramenta de negociação política. A modalidade de emenda foi criada em 2017 para financiar grandes obras de interesse dos estados. No entanto, uma brecha no processo orçamentário tem permitido que os recursos, muitas vezes, sejam desviados para prefeituras. O que deveria ser uma forma de viabilizar obras de grande impacto regional se transformou em uma estratégia eleitoral para parlamentares, que passam a destinar recursos diretamente a municípios, onde a execução é mais ágil e o retorno político é imediato.
Dados levantados pelo O HOJE e disponíveis no Portal da Transparência do Tesouro Nacional apontam que, entre 2018 e 2024, a bancada goiana destinou R$ 1,5 bilhão em emendas, sendo R$ 533 milhões para o governo estadual e R$ 500 milhões para as prefeituras. Ou seja, quase 50% do total foi direcionado a municípios goianos, prática que, embora proibida, tornou-se uma norma não oficial dentro do Congresso. Em um cenário de escassez de recursos e dificuldades financeiras das prefeituras, muitos gestores municipais dependem dessas emendas para realizar obras essenciais. A lógica por trás disso é clara: os parlamentares utilizam as emendas como moeda de troca política, garantindo apoio dos prefeitos e, consequentemente, votos nas eleições.
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Em termos de repasses ao estado de Goiás, os números variam significativamente de ano para ano. Em 2018, Goiás recebeu R$ 105 milhões em emendas de bancada. No ano seguinte, os repasses caíram para R$ 74 milhões, uma redução de 29,5%. No entanto, em 2020, o valor praticamente dobrou, chegando a R$ 141 milhões, e em 2021 saltou para R$ 216,3 milhões, um crescimento de 53,4%. Já em 2022, houve um retrocesso, com uma queda para R$ 131,7 milhões, mas em 2023, os repasses voltaram a subir para R$ 139,4 milhões. Em 2024, o volume de recursos destinados a Goiás atingiu R$ 225 milhões, o maior valor até então, com um aumento de 61,4% em relação ao ano anterior. Contudo, em 2025, o valor caiu drasticamente para R$ 25,7 milhões, uma queda de 88,5%, ainda que esse número possa aumentar ao longo do ano.
Manobra política
Essa variação nos repasses, além de refletir o ciclo eleitoral, mostra como as emendas de bancada são usadas como instrumentos de barganha política. O processo começa com os parlamentares registrando as emendas de forma genérica, com a destinação dos recursos prevista para os governos estaduais. Contudo, após a aprovação do Orçamento, esses recursos são redirecionados para prefeituras, onde os prefeitos podem acelerar a execução de obras, tornando o retorno político para os deputados e senadores mais rápido e visível. A estratégia é clara: quanto mais municípios são contemplados, maior a visibilidade do parlamentar, o que potencializa suas chances eleitorais.
Essa prática tem gerado críticas e levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a intervir. O STF, por meio de decisões que visam aumentar o controle sobre as emendas, tem tentado barrar a pulverização dos recursos. No entanto, a manobra continua a ser utilizada, principalmente pela falta de clareza nas regras de destinação e pela flexibilidade no processo de execução. Para contornar a proibição de repasses diretos a prefeituras, os parlamentares solicitam que o Ministério da Economia divida as emendas de bancada em dezenas de repasses individuais para os municípios, o que descaracteriza a intenção original de financiar projetos estaduais.
O HOJE entrou em contato com a coordenadora da bancada goiana na Câmara Federal, deputada Flávia Morais (PDT), para comentar os dados, mas até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.