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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
mandavê

Entre graus e arm-locks, o jiu-jítsu como filosofia de vida

Em episódio do podcast MandaVê, professores da LV Academy discutem a cultura marcial, a pedagogia do tatame e os desafios de ensinar crianças a lidar com a força e a frustração

Luana Avelarpor Luana Avelar em 13 de junho de 2025
13 MATERIA CREDITOS FT 2 Bruna Caetano

No episódio mais recente do podcast MandaVê, veiculado na última quarta-feira (11), os apresentadores Juan Allaesse e Jorranes Rocha, reuniram três professores da LV Academy – Lauro Viana, André Freiria e Layon Quirino – para uma conversa que revelou um universo de lealdade, disciplina e formação moldada sob os tatames do jiu-jítsu.

Com um início descontraído, os convidados rapidamente estabeleceram o tom da conversa: o jiu-jítsu não é apenas uma prática esportiva, mas um modo de existir no mundo. Viana, fundador da LV Academy e faixa preta com dois graus, abriu a roda lembrando do início da trajetória ao lado de Layon, seu parceiro de treino desde os tempos em que ainda eram faixas azuis. “O jiu-jítsu começa na branca, mas o grau mais difícil é justamente o de quem decide começar”, disse Lauro, resumindo o espírito de superação que permeia a modalidade.

O sistema de graduação foi um dos primeiros temas abordados. Diferente de esportes como o judô, que contam com federações nacionais consolidadas, o jiu-jítsu opera com múltiplas organizações e critérios variados. Ainda assim, a progressão é lenta e rigorosa: estima-se que um aluno dedicado leve entre oito a dez anos para alcançar a faixa preta. A partir daí, os graus adicionais são distribuídos a cada três, cinco ou até sete anos, culminando na faixa vermelha – reservada a mestres com mais de meio século de prática.

Apesar da longa estrada, a vivência do jiu-jítsu é descrita com paixão. Para André Freiria, a prática é uma ferramenta pedagógica poderosa, principalmente quando direcionada ao público infantil. “O jiu-jítsu devolve às crianças o que a tecnologia e a vida urbana tiraram: noção de corpo, disciplina, autoconhecimento e coragem”, explica. Nas turmas da LV Academy, que incluem alunos a partir dos quatro anos, a metodologia busca não só ensinar técnicas de defesa, mas desenvolver a inteligência emocional e a capacidade de lidar com frustrações.

Frustração, aliás, é uma palavra recorrente no vocabulário dos professores. Ao relatar suas experiências com alunos e treinos, os três retornam sempre à ideia de que o tatame é um lugar onde se aprende a perder. “Você pode estar bem num dia e apanhar feio no outro. Isso ensina humildade, ensina a escutar”, afirma Layon. O ambiente do treino, embora competitivo, é regido por um código de respeito rígido: existe hierarquia, sim, mas ela é cultivada com responsabilidade.

Há também espaço para humor e ironia. Em diversos momentos, os entrevistados relembram episódios hilários – como o dia em que Layon, ainda adolescente, entrou por engano em uma aula experimental e saiu convencido de que precisava aprender a “quebrar braços”. A prática, claro, ensinou o contrário: contenção, técnica e limites. A fala de Lauro sintetiza esse paradoxo: “Quanto mais íntimo sou de alguém, mais forte eu vou lutar com ela – não por maldade, mas porque confio”.

A cultura do jiu-jítsu, como ressaltado pelos convidados, carrega também uma herança histórica densa. André traça um panorama que remonta ao Japão do século XIX, quando a arte marcial ainda era proibida por leis imperiais. Do judô codificado por Jigoro Kano ao jiu-jítsu brasileiro reformulado pela família Gracie, o percurso é longo e permeado por adaptações culturais. “O Brasil criou o seu próprio jiu-jítsu, com foco em alavancas e eficiência. Foi uma questão de sobrevivência”, pontua.

O podcast ainda abordou a responsabilidade dos professores na formação ética dos alunos. Ensinar uma técnica de estrangulamento a uma criança, segundo Lauro, exige vigilância constante: “É como colocar uma arma na mão de alguém. A diferença é que essa arma é o próprio corpo”. Para lidar com isso, a LV adota uma abordagem que valoriza o diálogo, a repetição e a escuta ativa. Alunos que se excedem são advertidos, perdem graus e aprendem, pouco a pouco, a transformar força em controle.

A presença de alunos neurodivergentes, como o filho autista de André, amplia ainda mais o horizonte de atuação do esporte. Segundo ele, o jiu-jítsu funciona como ferramenta terapêutica, oferecendo uma estrutura segura e previsível para o desenvolvimento emocional. Quando o filho perde o controle e usa a técnica fora da academia, o pai-professor responde com coerência: retira o grau conquistado e reforça a regra – no tatame, sim; na rua, não.

Ao final do episódio, os relatos pessoais dos professores se entrelaçam em uma espécie de memória coletiva. Histórias de adolescência, rivalidades saudáveis, quedas e retornos compõem um mosaico que vai muito além da prática esportiva. Para quem escuta, fica a sensação de que o jiu-jítsu, quando bem conduzido, é uma escola de vida – uma que ensina não só a se defender, mas a compreender o próprio corpo, os próprios limites e, acima de tudo, o outro.

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