No centro do luxo, uma ilha reerguida pelas elites
St. Barth articula turismo de alto padrão com exclusividade ambiental, apagando contradições históricas em um paraíso caribenho redesenhado pelas celebridades
Com 22 quilômetros quadrados, St. Barthélemy — ou St. Barth, como é conhecida — concentra uma das maiores densidades de turismo de luxo do mundo. O território francês no Caribe recebe cerca de 200 mil visitantes ao ano, segundo o Institut d’Émission des Départements d’Outre-Mer (IEDOM, 2022), atraídos por praias públicas cercadas por hotéis exclusivos, iates fundeados como casas temporárias e grifes que rivalizam com a Champs-Élysées. A chegada, feita apenas por aviões de pequeno porte, é tão restrita quanto simbólica: traduz a natureza seletiva do acesso à ilha.
A colonização francesa deu lugar a um breve domínio sueco no século 18, mas os maiores impactos ocorreram após os anos 1960, quando investidores como David Rockefeller passaram a adquirir terras e construir resorts voltados à elite internacional. Desde então, a ilha se tornou um símbolo do turismo voltado à hipermobilidade das classes mais altas, conceito descrito pela antropóloga Mimi Sheller em Citizenship from Below (2012), ao tratar de espaços desconectados das realidades locais. Embora todas as praias sejam públicas, o acesso é condicionado por barreiras geográficas e sociais.
A presença de celebridades internacionais e o marketing nas redes sociais ampliaram o apelo recente da ilha, especialmente entre brasileiros. A movimentação de turistas do Brasil cresceu 24% entre 2022 e 2023, de acordo com o Ministère des Outre-Mer, impulsionada por figuras como Marina Ruy Barbosa e Ludmilla, que promoveram o destino em suas redes. Ainda assim, o custo de uma viagem gira em torno de R$ 60 mil, segundo estimativas de agências especializadas, restringindo o acesso a uma parcela mínima da população.
Por trás do cenário luxuoso, a desigualdade é invisibilizada. Dados do Insee (2021) apontam que St. Barth tem os maiores índices de desigualdade entre os territórios franceses de ultramar. Cerca de 65% das casas pertencem a estrangeiros (Observatoire du Tourisme, 2023), enquanto muitos trabalhadores precisam se deslocar diariamente de ilhas vizinhas, como Saint Martin, por não conseguirem arcar com os aluguéis locais. A promessa de paraíso compartilhado esbarra, na prática, em um território financeirizado e excludente.
A ecologia da ilha, utilizada como ativo turístico, sofre com os efeitos do próprio modelo de exploração. Segundo a ONG Corail Caraïbes, a cobertura de corais vivos caiu 40% desde 2005, em razão do turismo náutico intenso e do avanço de construções em áreas sensíveis. Após a devastação do furacão Irma, em 2017, a reconstrução acelerada foi viabilizada por doações de investidores e artistas. O episódio fortaleceu o discurso de resiliência local, mas também expôs a dependência da ilha em relação ao capital externo.
Mesmo diante das contradições, St. Barth segue sendo promovida como destino de experiências únicas. A capital Gustávia concentra o comércio de luxo e a vida noturna, enquanto áreas como Grand Cul-de-Sac e Colombier oferecem praias quase inacessíveis, trilhas restritas e hospedagens que prometem isolamento total. A temporada turística se estende entre novembro e abril, culminando na virada do ano, quando centenas de iates se alinham diante da prefeitura. Em St. Barth, a paisagem é parte do espetáculo — e o acesso, parte do privilégio.