Com Bolsonaro silenciado, quem fala pelo bolsonarismo?
Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer assumem protagonismo nas redes, mas especialistas alertam: nenhum nome da base tem o mesmo alcance ou impacto do ex-presidente
Bruno Goulart
Quem fala por Jair Bolsonaro (PL) quando ele é proibido de falar? Com as medidas cautelares impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o silêncio forçado do ex-presidente cria um vácuo de liderança e comunicação que sua base tenta preencher — sem sucesso completo. Nomes como os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO) despontam como possibilidades mais óbvias — ambos já atuam com intensidade nas redes e mantêm discursos alinhados ao de Bolsonaro. Mas analistas ponderam: há espaço para um novo porta-voz bolsonarista?
O estrategista político Marcos Marinho, em entrevista ao O HOJE, vê limites nessa substituição. “Na minha visão, a coisa mais complicada é imaginar que alguém da extrema direita, da base bolsonarista, consegue alcançar a reverberação que o Jair Messias consegue, né? Porque não vai”, afirmou. Para Marinho, embora nomes como Nikolas e Gayer tenham bom alcance, nenhum deles consegue repetir o impacto do ex-presidente. Isso, segundo o consultor em marketing político, “complica para o discurso do Bolsonaro chegar até as pessoas”, agora que o próprio não pode mais falar.
Diante disso, a aposta mais viável seria uma coordenação narrativa, uma espécie de coral político que repita o mesmo discurso como se estivesse a traduzir o que Bolsonaro “diria”. “É possível que haja um alinhamento da base bolsonarista para que uma narrativa seja escolhida e aí as outras pessoas do grupo reverberem a mesma narrativa”, diz Marinho.
Primeiros sinais visíveis
Os primeiros sinais desse alinhamento já estão visíveis. Nikolas Ferreira, por exemplo, usou a tribuna da Câmara dos Deputados nesta semana para defender Bolsonaro e questionou a legalidade das medidas impostas pelo STF. Em suas redes, voltou a falar em “perseguição” e ironizou a possibilidade de 43 anos de prisão para o ex-presidente por um suposto golpe de Estado. “Fazer isso com uma pessoa só porque aí tem vários indícios, possibilidades, de golpe? Que, convenhamos aqui, não teve uma arma apreendida”, disse.
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Para a advogada especializada em Direito e Processo Eleitoral e pesquisadora em democracia brasileira Nara Bueno e Lopes, a reação do ministro Luiz Fux — o único a discordar, ainda que parcialmente, das medidas cautelares contra Bolsonaro — pelo Supremo Tribunal Federal, embora sem efeito prático imediato, pode ser explorada politicamente pelos bolsonaristas. “Sob uma perspectiva política, pode gerar argumentos para que os bolsonaristas se apeguem na defesa do réu.”
Gustavo Gayer seguiu na mesma toada. Ao pegar carona na divergência aberta pelo ministro Luiz Fux, o deputado goiano disse que isso apenas reforça a “perseguição” da Suprema Corte. “Fux, de uma forma muito educada, escancarou que Alexandre de Moraes é um censor que desrespeita a Constituição”, escreveu, numa tentativa clara de dar gás à retórica do “judiciário ditador”, já habitual nas fileiras bolsonaristas.
Estratégia
A estratégia, portanto, parece delineada: reforçar o discurso de vitimização de Bolsonaro, insistir na ideia de que o STF é autoritário e censor e jogar sobre o governo Lula a culpa pelo “tarifaço” de Trump — mesmo que isso gere contradições internas. Nesse ponto, Marcos Marinho alerta: “Eles erraram bastante nesse primeiro momento e até agora boa parte está apoiando o Trump contra o Brasil, e já tem pesquisa deixando claro que a população não engoliu esse argumento”.
A retórica nacionalista instigada desde 2018 pode se virar contra os próprios bolsonaristas, já que o governo Lula tem conseguido vincular o aumento tarifário às relações perigosas com a extrema direita dos Estados Unidos. Pelo menos por enquanto.
Insistência em defender Trump
Nesse cenário, a insistência na defesa incondicional de Trump pode isolar ainda mais os bolsonaristas — inclusive de seus financiadores. “Os grandes empresários já estão grilados com isso”, diz Marinho, ao sugerir que o custo de proteger Bolsonaro pode ser alto demais para o próprio grupo. Nesse ponto, lideranças mais estratégicas — como o governador Ronaldo Caiado (UB), por exemplo — podem tentar modular o discurso e se afastar da radicalização para preservar espaço político.
Por fim, a sucessão parece inevitável. “Quem for mais inteligente agora vai tentar se construir enquanto verdadeiro líder, sucessor do Bolsonaro, menos radical para buscar o centro, porque senão o Lula leva”, conclui Marinho. Isso significa que a retórica inflamada deve continuar, ao menos por um tempo, com Nikolas e Gayer na tentativa de preencher o vácuo — mas com o entendimento de que nenhum deles, nem mesmo os filhos de Bolsonaro, consegue capturar a audiência massiva que o próprio ex-presidente mantinha.
O bolsonarismo, portanto, continua a tentar se reorganizar. A curto prazo, continuará a atacar o STF e o governo federal. A médio prazo, pode enfrentar rupturas internas e desmobilização de base. E a longo prazo? Sem um substituto à altura, o bolsonarismo pode se fragmentar — e abrir espaço para uma nova liderança, menos ideológica e mais pragmática. (Especial para O Hoje)