Brasil resiste à legalização do aborto
Levantamento do Ipsos-Ipec revela que 75% da população rejeita a pauta, mesmo com avanços na América Latina e garantias mínimas previstas em lei há mais de oito décadas
Enquanto Argentina, México, Colômbia e Uruguai já reformaram suas leis para garantir o direito ao aborto, o Brasil segue atado a uma legislação penal de 1940, que criminaliza a prática com raríssimas exceções. Mesmo diante do avanço regional e dos debates públicos cada vez mais frequentes, a maioria da população brasileira ainda rejeita qualquer flexibilização. É o que mostra a pesquisa mais do Índice de Conservadorismo Brasileiro, conduzida pelo instituto Ipsos-Ipec, que ouviu duas mil pessoas entre 3 e 8 de julho de 2025.
O levantamento revela que 75% dos entrevistados são contrários à legalização do aborto no país. Apenas 16% se dizem favoráveis, número que caiu dois pontos percentuais em relação à pesquisa de 2023. Outros 1% afirmaram não ter opinião formada. A margem de erro é de dois pontos percentuais, com 95% de nível de confiança.
Apesar da manutenção do conservadorismo, a pesquisa aponta uma ligeira ampliação do debate. Mais pessoas passaram a se posicionar sobre o tema, ainda que a maioria reforce a criminalização. O índice de indecisos diminuiu, sinalizando que a discussão sobre direitos reprodutivos tem, aos poucos, penetrado o senso comum, mesmo sob resistência.
A legislação brasileira permite o aborto apenas em três situações: risco de vida para a gestante, gravidez resultante de estupro ou diagnóstico de anencefalia fetal. Em todos os casos, o procedimento deve ser realizado pelo Sistema Único de Saúde. A regra não sofreu alterações nos últimos 85 anos, embora tenha sido tema constante de tramitações parlamentares e ações judiciais.
A estagnação normativa contrasta com a movimentação de outros países da América Latina. O Uruguai descriminalizou o aborto em 2012, seguido por Argentina em 2020, México em 2021 e Colômbia em 2022. As reformas nesses países garantiram o direito ao aborto legal e seguro e foram acompanhadas de políticas de saúde pública para reduzir desigualdades e mortes evitáveis.
No Brasil, defensores da legalização argumentam que o aborto clandestino expõe mulheres, sobretudo negras e pobres, a riscos graves de saúde e violações de direitos fundamentais. Ainda assim, o discurso punitivista se mantém dominante, muitas vezes ancorado em preceitos religiosos e em um imaginário social que exclui o debate sobre autonomia e justiça reprodutiva.
Enquanto a criminalização segue intocada, mulheres seguem morrendo. E a pergunta que permanece sem resposta concreta no Congresso e na sociedade brasileira é: até quando?