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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
crenças, mitos e esperanças

Brasil avança em transplantes mas recusa familiar ainda é alta

Entre crenças, mitos e esperança, como percepções íntimas e coletivas moldam a doação de órgãos num país que bate recordes, mas ainda enfrenta barreiras culturais

Luana Avelarpor Luana Avelar em 11 de agosto de 2025
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Foto: FreePik

Quem decide o que fica e o que parte quando o corpo já não habita a vida? Essa escolha, feita por familiares após a confirmação da morte encefálica, pode mudar o destino de pacientes que aguardam na fila de transplantes. Em 2024, 55% das famílias autorizaram a doação, segundo o Ministério da Saúde. O índice resultou em mais de 4 mil doadores efetivos e manteve o Brasil entre os líderes mundiais em transplantes. Ainda assim, de acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos – ABTO), cerca de 78 mil brasileiros aguardam um órgão ou tecido — a maior parte na fila por um rim (42.838), seguida por córnea (32.349) e fígado (2.387).

O crescimento das autorizações é um sinal positivo, mas a fila continua extensa e a recusa familiar permanece como principal barreira. Segundo o Ministério da Saúde, de cada 14 potenciais doadores, apenas quatro têm a doação efetivada. Os motivos vão além da burocracia: influências religiosas, preocupação com a integridade do corpo, desconfiança no diagnóstico de morte encefálica e insegurança sobre a assistência médica ainda pesam na decisão. O Brasil mantém um sistema público de transplantes reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como referência global, responsável por mais de 95% das cirurgias no país, mas a decisão final recai sobre famílias em um momento de forte impacto emocional.

A percepção social sobre a doação tem sido estudada. Um levantamento publicado na Revista Psicologia: Reflexão e Crítica (2021), com estudantes universitários de São Paulo, indicou que a religião, isoladamente, não apresenta relação estatisticamente significativa com a decisão. O que aparece com mais peso é o medo da morte, associado a sentimentos de vulnerabilidade diante do sistema de saúde e a receios bioéticos, como tráfico de órgãos ou diagnósticos precipitados. Em contrapartida, as principais tradições religiosas do país, católica, evangélica e espírita, têm posicionamentos oficiais favoráveis, tratando a doação como ato altruísta e solidário.

Nos últimos anos, políticas públicas e campanhas tentam reduzir as resistências. A Lei nº 14.722/2023, conhecida como Lei Tatiane, instituiu a Política Nacional de Conscientização e Incentivo à Doação e Transplante de Órgãos e Tecidos. Prevê campanhas permanentes, capacitação de profissionais da saúde e da educação, além de ações em escolas e universidades. Iniciativas como o projeto “Incentivando Vidas”, apoiado por secretarias estaduais de saúde, apostam em relatos de famílias doadoras e informações técnicas para desmistificar o processo e ampliar o diálogo.

Os dados mais recentes do Registro Brasileiro de Transplantes mostram que, no primeiro trimestre de 2025, foram realizados 1.576 transplantes de órgãos sólidos, 1.367 com doadores falecidos e 209 com doadores vivos, além de 3.972 transplantes de córnea. Os números evidenciam tanto a capacidade do sistema quanto a urgência em ampliar o número de doadores para atender à demanda acumulada.

Casos de figuras públicas, como o de Fausto Silva, que entre 2023 e 2025 recebeu transplantes de coração, rim e fígado, reacendem o debate sobre a importância do ato. Embora não interfiram diretamente na fila nacional, histórias assim ganham espaço na mídia e ajudam a manter o tema em discussão, especialmente quando destacam a importância de manifestar em vida a intenção de ser doador.

O Ministério da Saúde reforça que famílias que já conversaram sobre o tema tendem a autorizar mais facilmente. Onde o assunto nunca foi discutido, a negativa é mais frequente. É uma diferença simples, mas com impacto real: um “sim” informado pode significar o fim de anos de espera para quem depende de um órgão. Falar sobre morte é desconfortável, e discutir o destino do corpo depois dela ainda mais. Mas a doação só se concretiza quando esse desconforto é superado. Entre a vida que termina e a que pode começar, há um instante decisivo que não cabe apenas à medicina ou à religião. É um gesto humano, sustentado por informação clara, confiança e pela disposição de permitir que, mesmo depois do fim, algo continue.

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