O Último Azul atravessa o Brasil distópico com delicadeza e urgência
Gabriel Mascaro traça uma fábula inquietante sobre envelhecer, resistência e reencontro com o desejo, em meio à Amazônia ameaçada
O cinema brasileiro volta a ganhar projeção internacional com O Último Azul, novo longa de Gabriel Mascaro, que estreia nesta quinta-feira (28) no circuito nacional. A produção venceu o Urso de Prata – Grande Prêmio do Júri – no 75º Festival de Berlim, além de receber outros dois prêmios de júris independentes. De lá para cá, circulou por mais de quarenta festivais internacionais e abriu, fora de competição, o Festival de Gramado, duas semanas atrás.
A história parte de um enredo distópico. Em um futuro próximo, o governo brasileiro determina o envio de idosos a colônias afastadas, com o discurso de que os jovens precisam estar liberados para manter a economia produtiva. O procedimento, apresentado como gesto patriótico, funciona na prática como um mecanismo de exclusão.
Nesse cenário está Teresa (Denise Weinberg), que, aos 77 anos, descobre ser convocada depois que a idade-limite para a transferência compulsória é reduzida de 80 para 75 anos. A personagem, lúcida e independente, decide resistir ao sistema realizando um último desejo: voar de avião. A metáfora é evidente. Mais que um sonho, trata-se de recusar a invalidez social imposta pela burocracia.
O longa, no entanto, não se prende apenas à descrição do regime autoritário. A fuga de Teresa se transforma em road movie fluvial, atravessando rios da Amazônia. Ao longo da jornada, surgem encontros que reforçam a vitalidade da protagonista: Rodrigo Santoro interpreta um homem solitário; Adanilo encarna um trambiqueiro; Miriam Socarrás dá corpo a uma companheira de viagem. Os personagens, embora secundários, confirmam que Teresa ainda tem muito a viver.
Visualmente, o filme aposta no contraste. A fotografia de Guillermo Garza e a direção de arte de Dayse Barreto constroem um Brasil reconhecível e degradado, integrado à paisagem amazônica úmida e grandiosa. A presença de elementos como o “cata-velho”, veículo destinado a recolher idosos, e o caracol da baba azul, que mistura mito e realidade, ampliam a dimensão alegórica da obra.
O discurso oficial que abre e encerra a narrativa, acompanhado da faixa aérea com o lema “O FUTURO É PARA TODOS”, expõe a contradição central. Enquanto a propaganda estatal promete proteção, a prática é o apagamento de toda uma geração. A proximidade com slogans autoritários do passado brasileiro acentua o caráter crítico da obra.
O desfecho, embalado por Rosa dos Ventos, de Chico Buarque na voz de Maria Bethânia, amplia a leitura política e insere a trajetória individual de Teresa numa memória coletiva de resistência. Para Mascaro, trata-se de afirmar “o direito de sonhar”, mesmo quando a sociedade insiste em negar esse direito.
O Último Azul confirma a maturidade de Mascaro como cineasta e se impõe como uma das produções brasileiras mais relevantes dos últimos anos, capaz de articular estética e política numa mesma fábula cinematográfica.