Universitários se desdobram para pagar a faculdade e saem endividados
Pesquisa mostra que 58% dos universitários custeiam os próprios estudos, mas dificuldades financeiras levam muitos ao endividamento e à frustração profissional
O sonho do diploma universitário, para muitos jovens brasileiros, têm se tornado uma jornada solitária, cara e, em muitos casos, frustrante. De acordo com pesquisa realizada pela Nube – Estagiários e Aprendizes, a maioria dos estudantes de ensino superior (58,41%) arca integralmente com os custos da faculdade. O levantamento, feito com 6.362 participantes entre 8 e 19 de setembro, mostra uma mudança cultural importante: cada vez mais jovens se responsabilizam sozinhos pela própria formação.
Os dados revelam ainda que apenas 9,13% dos entrevistados contam com o apoio financeiro dos pais, enquanto 13,34% estudam por meio de bolsa integral e 4,68% possuem bolsa parcial. Somente 11,99% frequentam universidades públicas, o que reforça a dificuldade de acesso ao ensino gratuito e de qualidade. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), antes visto como uma alternativa viável, é utilizado por apenas 0,93% dos estudantes.
Por trás desses números, há histórias de persistência, mas também de endividamento. Um levantamento da Serasa em parceria com a MindMiners mostrou que 35% dos universitários têm dívidas em aberto com instituições de ensino. O principal motivo, segundo o estudo, é o desemprego, que afeta 22% dos alunos inadimplentes. Outros 13% apontam problemas familiares e 9% relatam redução de renda como causa da dívida.
Entre os estudantes endividados, 34% acumulam débitos que ultrapassam o valor de cinco mensalidades e 32% convivem com pendências há mais de dois anos. Além das mensalidades atrasadas, o impacto financeiro se estende a outras áreas: 62,3% possuem outras dívidas, sendo 55% com cartão de crédito, 36% com contas básicas e 32% com empréstimos pessoais.
Desafios dos universitários vão além das contas
A situação tem afetado o bem-estar emocional dos jovens. Quase metade (48%) afirma sofrer de ansiedade, insônia ou estresse em razão das dívidas, e 45% adiaram planos importantes de vida como casar, viajar ou sair da casa dos pais, por não conseguirem equilibrar as contas.
A contadora, em formação, Camila Rodrigues, de 25 anos, é uma dessas jovens que se viram para continuar estudando. Ela cursou três anos de Contabilidade em uma instituição particular de Goiânia, mas não conseguiu concluir o curso.
“Trabalhava o dia inteiro e estudava à noite, mas quando perdi o emprego, não consegui mais pagar as mensalidades. Tentei renegociar, fiz bicos, mas acumulei mais de R$ 8 mil em dívidas com a faculdade”, conta. Hoje, Camila trabalha como atendente em uma loja e ainda não conseguiu quitar o débito. “Sonho em terminar a faculdade, mas o que era para ser um investimento virou uma bola de neve”, lamenta.
Além das dificuldades financeiras diretas, o comportamento de consumo digital também tem contribuído para adiar o sonho do diploma. Um levantamento da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes) mostra que 34% dos jovens entre 18 e 35 anos deixaram de iniciar um curso superior em 2025 por causa de gastos com apostas on-line, como o popular “jogo do tigrinho”. A pesquisa indica que o problema é mais grave entre as classes D e E: 41% dos jovens dessas faixas de renda adiaram o ingresso na universidade por falta de recursos.
A desigualdade social, o alto custo das mensalidades e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho formam um ciclo que compromete o futuro de muitos. Mesmo entre os formados, o diploma não tem garantido retorno financeiro. “Muitos alunos se endividam acreditando que, ao se formarem, terão um bom emprego e conseguirão pagar o que devem. Mas o mercado está saturado e, em diversas áreas, o salário inicial não cobre nem o valor de uma mensalidade”, explica a economista e pesquisadora educacional Ana Mendes.
Para a especialista, a ampliação de políticas públicas voltadas à permanência estudantil é urgente. Bolsas, programas de financiamento acessíveis e políticas de empregabilidade podem amenizar o quadro. “Não basta abrir vagas nas universidades, é preciso garantir condições para que os alunos consigam concluir os cursos sem comprometer sua saúde mental e financeira”, reforça Mendes.
Enquanto o debate avança lentamente, milhares de jovens seguem tentando equilibrar sonhos e boletos. E para muitos, como Camila, o diploma segue distante, não por falta de esforço, mas por falta de oportunidade.