Senado aprova gratuidade de bagagem de mão de até 10 kg e reabre debate sobre abusos e tarifas
Projeto de lei segue para a Câmara e busca restabelecer direito básico do consumidor, após companhias cobrarem até por bagagem de mão
A gratuidade da bagagem de mão em voos comerciais pode voltar a ser um direito garantido por lei. O Projeto de Lei (PL) 120/2020, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), aprovado nesta quarta-feira (22) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, estabelece que os passageiros poderão transportar gratuitamente até 10 quilos de bagagem de mão, com dimensões padronizadas, sem cobrança adicional por parte das companhias aéreas. A proposta altera o Código Brasileiro de Aeronáutica e segue agora para a Câmara dos Deputados.
Segundo o relator da matéria, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), a medida fecha brechas legais que vinham permitindo práticas consideradas abusivas. “Hoje o receio se mostra plenamente justificável em função de anúncios, por operadores brasileiros, de oferta de passagens que não incluem bagagens de mão que requeiram acomodação nos compartimentos superiores da aeronave”, afirmou o parlamentar.
O projeto fixa parâmetros para o transporte de bagagens de mão em voos domésticos e internacionais, estabelecendo a franquia mínima gratuita de até 10 kg. A empresa aérea poderá impor restrições apenas por razões de segurança ou capacidade da aeronave e, em caso de superlotação, o operador deverá despachar o volume sem custo adicional ao passageiro.
Polêmica da bagagem de mão

A proposta surge em meio à polêmica cobrança pela bagagem de mão, implementada recentemente por companhias como Latam e Gol em voos internacionais. Desde outubro de 2024, a Latam passou a cobrar por malas de mão em algumas rotas da América do Sul, permitindo apenas uma bolsa ou mochila gratuita. A Gol seguiu o mesmo caminho neste mês, o que reacendeu o debate no Congresso e entre órgãos de defesa do consumidor.
As empresas alegam que a nova tarifa, chamada de “Basic”, oferece maior flexibilidade de preço e opções mais econômicas para quem viaja com pouca bagagem. “Infelizmente, isso foi mal interpretado como se as companhias estivessem cobrando pelo uso do compartimento”, afirmou o CEO da Latam Brasil, Jerome Cadier, durante um evento da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA). Segundo ele, a proposta visa dar “opções diferentes ao cliente”.
Contudo, os dados e a percepção dos consumidores mostram outro cenário. De acordo com levantamento do portal Metrópoles, com base em informações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), as companhias aéreas arrecadaram R$ 6,95 bilhões com taxas de bagagem entre 2017 e 2025, mas a tarifa média das passagens domésticas aumentou no período. Em agosto de 2017, o valor médio era de R$ 552,51, e chegou a R$ 650,91 em 2025, alta real, mesmo considerando as quedas temporárias durante a pandemia.
Para a advogada Julianna Augusta, especialista em Direito do Consumidor e Aéreo, a promessa de redução no preço das passagens “não se concretizou na prática”. “Desde a autorização dada pela Anac em 2017, as tarifas aéreas aumentaram consideravelmente, mesmo com a cobrança à parte por bagagens despachadas e, mais recentemente, tentativas de tarifar até a bagagem de mão. O custo total ao consumidor subiu, enquanto o serviço prestado continuou com falhas recorrentes”, afirma.
Ela explica que o principal impacto positivo da aprovação do projeto é a proteção de um direito básico: o de poder transportar uma bagagem de mão razoável, sem custo adicional. “A medida reduz abusos e inseguranças sobre o que pode ou não ser cobrado e traz mais previsibilidade na hora da compra da passagem. Para o setor aéreo, o transporte de até 10 kg já era prática usual antes da cobrança”, diz. A mudança apenas restabelece um padrão anterior, em consonância com o Código de Defesa do Consumidor e com práticas internacionais.
Segundo a especialista, a cobrança pela bagagem de mão viola princípios básicos do Código de Defesa do Consumidor, como a boa-fé e o direito à informação adequada. Ela também critica o argumento das companhias de que as tarifas mais baratas oferecem liberdade de escolha.
Histórico da cobrança e contexto regulatório
A possibilidade de cobrança por bagagens despachadas surgiu em 2017, durante o governo de Michel Temer, quando a Anac alterou a Resolução nº 400, eliminando a franquia obrigatória para despachos em voos nacionais e internacionais. A justificativa era permitir que as companhias oferecessem tarifas mais baratas, mas a medida foi alvo de críticas de parlamentares e entidades de defesa do consumidor.
Na ocasião, manteve-se a gratuidade para bagagem de mão de até 10 kg, mas a brecha regulatória acabou explorada anos depois, permitindo que empresas tentassem incluir também esse item na política de cobrança.