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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Justiça

Condenação de militares no caso da trama golpista rompe ciclo histórico de impunidade no Brasil

Pela primeira vez desde a Proclamação da República, oficiais-generais envolvidos em articulações golpistas passam a cumprir pena após trânsito em julgado no STF

Micael Silvapor Micael Silva em 25 de novembro de 2025
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Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O trânsito em julgado da condenação do núcleo central da trama golpista, especialmente no caso dos oficiais-generais, representa uma ruptura inédita no histórico de impunidade que marcou as inúmeras tentativas de golpe ao longo da história republicana brasileira. Forçados pela ideia de tutela sobre o poder civil e pela visão de si mesmos como um “poder moderador”, militares participaram de movimentos de ruptura desde 1889, mas nunca foram responsabilizados. Agora, com o Supremo Tribunal Federal (STF) colocando fim às possibilidades de recurso, os condenados começaram a ser levados para a cadeia.

Ao longo de mais de 130 anos, anistias concedidas a integrantes da caserna se tornaram regra. Desde a Proclamação da República — ela própria considerada um golpe liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca — episódios de insurreições militares marcaram a vida política do país, da Revolta da Vacina ao tenentismo, passando pelas pressões sobre Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, até culminar no golpe de 1964.

Em setembro, a Primeira Turma do STF condenou os generais Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno, o almirante Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cid e o capitão Jair Bolsonaro, além dos ex-diretores da Polícia Federal Anderson Torres e Alexandre Ramagem. Nesta terça-feira (25), com o esgotamento de recursos, iniciou-se o cumprimento das penas.

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Foto: Divulgação

Mesmo com a participação direta de seis oficiais no núcleo principal, a investigação apontou que o plano golpista só não avançou porque os comandantes do Exército e da Aeronáutica se recusaram a aderir à ruptura.

O historiador Francisco Carlos Teixeira, professor da UFRJ, explica que o sentimento de tutela militar sobre a República é antigo:

“Desde a Proclamação, eles defendem uma doutrina informal, ensinada nas academias, de que possuem tutela sobre o Estado. Entendem que herdaram o ‘poder moderador’ do Império. Todos os pronunciamentos e golpes se apoiaram nessa visão. O que se vê agora é a chance de deixar essa tutela para trás.”

Golpismo recorrente e impunidade histórica

O Brasil acumulou episódios em que militares participaram de rupturas sem serem responsabilizados. Um exemplo emblemático é o marechal Odylio Denys, que atuou no tenentismo na década de 1920, tentou impedir a posse de João Goulart em 1961 e foi um dos articuladores do golpe de 1964 — quatro décadas de envolvimento em conspir ações sem punição.

Antes do tenentismo, a República já havia enfrentado movimentos como a Revolta da Armada e a Revolta da Vacina, esta última em 1904, quando houve inclusive tentativa de deposição do presidente Rodrigues Alves. Na ocasião, figuras como Lauro Sodré foram presas, mas o Congresso, sob aplausos e por iniciativa de Rui Barbosa, aprovou uma anistia.

Vargas, JK, Jango: alvos e autores de rupturas

Getúlio Vargas é um dos personagens centrais desse ciclo. Chegou ao poder após a Revolução de 1930, implementou o Estado Novo em 1937 — um golpe — e foi deposto em 1945 por militares. Em 1954, sob forte pressão da caserna após o atentado contra Carlos Lacerda, Vargas suicidou-se.

Juscelino Kubitschek enfrentou rumores de golpe antes de assumir e rebeliões durante o governo: Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959). Depois de anistiá-los, viu os mesmos oficiais tentarem novo levante.

Na década de 1960, João Goulart lidou com duas tentativas de golpe: uma após a renúncia de Jânio Quadros, evitada com o parlamentarismo, e outra em 1964, bem-sucedida, que mergulhou o país em 21 anos de ditadura. Ao final do regime, a anistia ampla, geral e irrestrita impediu qualquer responsabilização.

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