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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
OPINIÃO

STF precisa reaver seu prestígio e o nível intelectual dos integrantes

Jorge Messias, o mais novo indicado por Lula ao STF, 3º em seu 3º mandato, obedece à única exigência concreta da Constituição para quem vai integrar a maior Corte do País: tem mais de 35 e menos de 70 anos. Mas é só a isso por enquanto

Nilson Gomespor Nilson Gomes em 28 de novembro de 2025
STF
Foto: Antonio Augusto/ STF

O artigo 101 da Constituição é cristalino e simples, ao contrário de seu enfocado: “O Supremo Tribunal Federal (STF) compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Como se trata da maior Corte do País, é imprescindível ter prestígio e estofo intelectual. Não? Quanto aos números nem se discute, mas como quantificar o saber e a reputação? É preciso ser formado em Direito? Pode já ter matado, roubado, estuprado? Algumas respostas são dadas pelo tempo, outras por algo que no juridiquês é chamado de jurisprudência e a maioria pelo indica quem pode, rejeita quem tem juízo. Por isso, o terceiro escolhido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) corresponde ao exigido – até por não se saber quem exige o quê.

Jorge Messias está encontrando dificuldades não por ser desonesto ou burro e as facilidades igualmente não o alcançam por ser correto e douto. Tudo vem da maldita ou benfazeja política. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), prefere sair do colo do governo a amparar Messias, que vai ser sabatinado em 10 de dezembro pela Comissão de Constituição e Justiça. O veto de Alcolumbre está longe do conhecimento e da probidade do indicado por Lula: deve-se unicamente à preferência de Davi por seu antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). De novo, nada a ver com Messias ser pior que Pacheco no saber ou na reputação, é apenas preferência pessoal ou de circunstância.

Quem nomeou quantos

Afinal, sempre foi assim? De acordo com a formação que está aí, o STF mantém o nível das discussões, ou seja, nenhum. Os últimos dez presidentes da República levaram ao Supremo 46 ministros: Ernesto Geisel (7), João Figueiredo (9), José Sarney (5), Fernando Collor (4), Itamar Franco (1), Fernando Henrique (3), Lula (10), Dilma Rousseff (5), Michel Temer (1), Jair Bolsonaro (2) – a soma deu 47 porque Figueiredo e Collor nomearam Francisco Rezek. Não se questionou o caráter ou a inteligência de qualquer deles. A última barreira entre o profano e o sagrado é a sabatina na CCJ e a votação no Plenário. Depois de estarem na cadeira, é obediência cega mesmo a faca amolada.

Se Messias for rejeitado, será apenas o 6º em 135 anos de STF e as cinco reprovações ocorreram no mesmo governo, o de Floriano Peixoto, há 129 anos. Por que o vetariam? Que diferença há entre ele e os dois deste 3º mandato de Lula, Cristiano Zanin e Flávio Dino? Messias é até mais discreto – surgiu na mídia, e muito e de forma bastante negativa – quando foi usado como menino de recados de Dilma para levar a Lula sua nomeação como ministro-chefe da Casa Civil, na tentativa de tirar o então ex-presidente da sanha engaioladora da Operação Lava-Jato. Ser famoso ou anônimo não fede nem cheira. Aliás, quanto mais passar despercebido, melhor. Quando Temer o indicou, em 2017, Alexandre de Moraes era ministro da Justiça (igual a Dino, só que sem espalhafato), com livro famoso em faculdade (igual a Gilmar Mendes, só que sem instituto) e esposa advogada (como quase todos ali). Ninguém poderia prever que se tornasse o personagem atual.

Como cassar ministro do STF

No mundo civilizado, o modelo é o brasileiro, dentro da estratégia de harmonia e independência entre os poderes – o Executivo indica, o Legislativo aprecia e o Judiciário absorve. Caso seja necessário tirar, será o 1º: nunca um ministro do STF foi cassado – quatro perderam o cargo, três por ato do regime militar em 1969 e outro, em 1892, por não ter formação em Direito. Impeachment de integrante do Supremo é previsto na Lei 1.079 de 1950, que define os crimes de responsabilidade. Diz seu artigo 2º: 

“Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República”.

Até agora, esse texto só foi usado contra presidentes da República. Ministro do Supremo, nenhum.

Quem foi, quem deixou de ser e por que tantos querem tanto

O Supremo Tribunal Federal já teve pensadores brilhantes, como Alexandre Barbosa Lima Sobrinho (deputado constituinte em 1945, integrou a Academia Brasileira de Letras, a ABL), Aliomar Baleeiro (ajudou a escrever três Constituições), Evandro Lins (sucessor do goiano Bernardo Élis na ABL, foi um dos três cassados pelo AI-5 em 1969), José Eduardo Prado Kelly (poeta premiado pela ABL aos 15 anos, jornalista, membro da Academia Carioca de Letras, exerceu cargos nos três poderes, foi das Assembleias Nacionais Constituintes de 1933 e 1946, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil), Nelson Hungria (um dos autores do Código Penal, do Código de Processo Penal e da Lei das Contravenções Penais), Olavo Bilac Pinto (teve cargos nos três poderes, participou da Constituição de 1935 e foi cassado por Getúlio Vargas em 1937).

Outros tantos ilustres intelectuais na área jurídica não chegaram ao STF, Clóvis Beviláqua (fundador da Academia Brasileira de Letras e escreveu o Código Civil de 1916), Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (membro da ABL, debateu durante anos com Albert Einstein na área de Física e escreveu a mais monumental obra jurídica do Brasil, “Tratado de Direito Privado”, com 30 mil páginas), Heráclito Fontoura Sobral Pinto (tão acima da média mundial que recusou o cargo de ministro do Supremo para o qual o havia indicado o melhor presidente da República, Juscelino Kubitschek), José Afonso da Silva [que morreu nesta terça-feira (25), aos 100 anos, ajudou no texto originário da Constituição de 1988], Raymundo Faoro (foi membro da ABL, presidente nacional da OAB, autor do magistral “Os donos do poder”), Rui Barbosa (“apenas” o maior nome do Direito brasileiro em todos os tempos).

STF
Foto: Marcelo Camargo/ ABr

Outros já passaram dos 70 anos e não podem ser reconhecidos com o mais alto posto do Judiciário, ainda que quisessem, como Arnold Wald, Celso Antônio Bandeira de Mello e Ives Gandra Martins, além dos mais novos, turma da qual a estrela é Lenio Streck (como o Pontes de Miranda do século 21, é o mais citado pelo STF).

A razão de compor o Supremo não é a vaidade, na maior parte dos luminares do Direito – quem sabe Jorge Messias é um deles e seus contemporâneos ainda não saibam disso. O motivo maior é o de fazer justiça, essa com j minúsculo, a que interessa de fato aos fatos.

 

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