Feminicídio: crime que persiste, mesmo com avanços no direito das mulheres
Em 2023, Brasil registrou número recorde de casos registrados de mulheres estupradas e assassinadas
O direito das mulheres é dito como algo que evoluiu nos últimos dez anos, isso também é tido como um consenso de especialistas de direito e ativistas do movimento feminista. Contudo, este consenso é posto em contrapartida no aumento de casos registrados dos vários tipos de violência contra a mulher.
Segundo dados do 18º Anuário de Segurança Pública de 2024, 5.397 mulheres foram assassinadas em 2023, sendo que 1.467 destes casos se enquadram como feminicídio, uma alta de 0,14% do ano de 2022 com 5.389. Em Goiás, houve uma diminuição no total de mulheres assassinadas, entretanto, o feminicídio aumentou pela morte de uma mulher a mais que no ano anterior, de 55 para 56 pessoas.
Contudo, outros tipos de violência contra as mulheres também aumentara entre 2022 e 2023 como ameaça, de 668.355 para 778.921 casos. Em Goiás, os números dispararam de 26.350 para 30.406, com uma variação de 15,4%. Enquanto isso, a violência doméstica entre os anos de 2022 e 2023 também subiu de 235.915 para 258.941, em Goiás houve uma elevação de 5.158 para 5.225, uma variação de 1,3%.
Para a advogada especialista em defesa do direito das mulheres, Ana Carolina Fleury, ao jornal O HOJE, este aumento de casos pode significar tanto um aumento na procura de vítimas pelo poder público, quanto a falta de políticas públicas que assegurem às mulheres.“Viemos de um período em que a violência contra a mulher vem subindo como um reflexo de um tempo em que os direitos da mulher foram relegados. Houve um declínio no entendimento da mulher como sujeito de direito que merece proteção”.
Cita, como exemplo deste reflexo, o recorde de mulheres que foram estupradas decorrente do desmantelamento de políticas de enfrentamento da violência contra a mulher. Segundo os dados, 20.124 foram violadas se comparado com 19.073 do ano de 2022. O estupro de vulnerável também atingiu um recorde com 64.237 casos em 2023 se comparado com 59.761 do ano anterior.
Com isso, cita que é necessário mais do que nunca avanços para que as mulheres consigam defender os seus direitos plenos perante a Lei, mesmo que tenham tido um aumento de recursos jurídicos que amparam as mulheres em casos onde a violência já ocorreu. O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instaurado em 2021, deveria ser usado de forma obrigatória pela corte para guiar juízes e juízas a atuar dentro da perspectiva de gênero. Contudo, relata que por um falta em uma capacitação especializada no assunto, este guia é esquecido por juízes do poder público.
Um outro avanço foi o aumento de 23% nas medidas protetivas de urgência concedidas pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) em 2023, saindo de 16.603 em 2022 para 20.418. Porém, muitos destes pedidos ainda devem ser formalizados por advogados que requisitam à Justiça.
Entretanto, muitas mulheres que estão em risco de violência não possuem condições financeiras para arcar com os custos uma vez que as próprias finanças geralmente são controladas pelo homem ou pela família. Apesar de existir redes de apoio que intermediam esses pedidos como as casas de apoio, são muito pouco para uma demanda muito grande.
“Sim, nós temos mais recursos jurídicos. Porém, pela minha experiência na área que considero como considerável, esses recursos não são aplicados da maneira que deveriam. Deixam muito a desejar e ainda tem muita revitimização de mulheres, levando a mais violência e insegurança” afirma.
Similarmente, a gestora da casa de apoio do Centro de Valorização da Mulher (Cevam), Carla Monteiro, relata para O HOJE que esse aumento também significa um apelo para novas políticas públicas transformadoras que não apenas mitigam ou somente dão assistência para as mulheres que já foram vítimas de violência. Como diz, é necessária uma maior atuação na prevenção de forma que as mulheres não sejam revitimizadas. “O Brasil possui uma das melhores leis do mundo no combate da violência. Mas ainda não conseguimos pacificar a sociedade”, afirma.
Uma das formas que propõem de ajudar a resolver esta questão cultural é com a educação de gênero durante a juventude. Isso é pelo fato da violência contra a mulher ser revestida em camadas culturais e históricas que não foram analisadas por uma parcela da população. Muito disso é pela educação familiar que ainda reforça estes preconceitos nos mais jovens. “Uma colega trabalhava com os Grupos Reflexivos de Homens e contava como alguns deles não sabiam até então que a mulher não era propriedade dele. Muito disso é porque era algo ensinado pelos próprios pais destes homens”, conta.
Formas diferentes do combate à violência contra mulher
Além de colocar em prática as leis que já estão vigentes, o advogado e especialista em direitos humanos, Gabriel de Castro, conta que há opção na defesa dos direitos das mulheres que ainda não são conhecidos pela população em geral, como os assistentes de acusação.
Esses representantes legais, que em sua maioria são advogados, ingressam em um processo penal em prol da vítima. Em alguns destes casos, os advogados criminalistas também poderiam, e deveriam, servir nestes papeis mesmo que não seja algo comum entre a área.
Além disso, há a opção da justiça restaurativa que pode dialogar entre as partes para uma negociação a fim resolver os conflitos. Em certos casos essa alternativa pode ou não ser concedida pela justiça a deferimento do juiz encarregado do caso. Se o pedido for liberado, ambas as partes serão analisadas pelas equipes do Núcleo de Justiça Restaurativa do TJ-GO a fim de que um acordo seja firmado e intermediado pelo órgão.
Enquanto isso, o poder público através da prefeitura de Goiânia também possui grupos e casas de apoio para as mulheres que foram vítimas ou que estão em situação de risco. Tanto o Centro de Referência da Mulher Cora Coralina como a Casa Abrigo, mantidos pela Secretaria Municipal de Políticas à Mulher (SMPM), trabalham em conjunto com o TJ-GO e a Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deaem) para oferecer suporte e apoio às mulheres.
“A SMPM de Goiânia desenvolve projetos, campanhas e ações para prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher. Além de atuar na promoção e proteção na perspectiva de gênero e incorporação às demais políticas públicas” afirma a secretária do SMPM, Katia Hyodo, à equipe de reportagem.