Empreendedorismo é coisa de mulher
Pesquisa revela que a taxa de mulheres que estão começando empreendimentos é maior que a dos homens, chegando a 15,4% para elas e a 12,6% para eles
Victor Lisita*
Empreender é uma aventura. É preciso coragem, vontade e uma
boa dose de persistência. Um relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM)
Women, divulgado em 2016, aponta que cerca de 160 milhões de mulheres iniciaram
ou abriram novos negócios. Com um número tão significativo, não há como ignorar
o impacto da presença das mulheres no empreendedorismo.
No Brasil, este cenário é ainda mais forte do que a
média mundial, o que deixa a presença da nação em destaque em um seleto grupo de cinco países pesquisados,
onde há equilíbrio entre os empreendedores de ambos os gêneros. Uma pesquisa
realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), em parceria com o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP),
revelou que a taxa de mulheres que estão começando empreendimentos é maior que
a dos homens, chegando a 15,4% para elas e a 12,6% para eles.
O GEM, no entanto, divide as motivações em dois grandes
grupos: a necessidade e a oportunidade. Em terras brasileiras, as mulheres têm
maior tendência em empreenderem por necessidade, enquanto os homens mais por
oportunidade. Em um cenário de maior desemprego e um País onde 40% dos lares são
chefiados por mulheres, faz sentido esse indicador.
Cerca de 48% delas tomam a iniciativa porque precisam,
enquanto apenas 37% dos homens o fazem pelo mesmo motivo. Foi o caso de Danila
Guimarães, empresária no segmento de roupas multimarcas em Goiânia. Ela
precisava se manter e então decidiu seguir a vontade de ter o próprio negócio.
Hoje, é uma das empreendedoras mais conceituadas de Goiás. A empresária destaca a questão da idade como um receio crucial. “Algumas mulheres não
encontram a motivação por se acharem velhas demais. Não é regra ter de começar
a ‘vida’ aos 20 anos e não há necessidade de uma verba alta para abrir seu
negócio”. Além disso, ela diz que o empoderamento da mulher nos últimos anos
tem diminuído o preconceito delas exercerem cargos de liderança.
A idealizadora da Rede Goiana da Mulher Empreendedora, a
empresária Ludymilla Damatta, acredita que a baixa de postos de trabalho
relacionada à crise está diretamente ligada com o quadro de empreendimento por
necessidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do
quarto trimestre de 2017 mostram que o índice de desemprego fechou o ano em
13,4% para as mulheres, contra 10,5% para os homens, o que representa 6,07
milhões de homens sem empregos e 6,24 milhões de mulheres.
“O empreendedorismo por necessidade deve aumentar justamente
porque as pessoas precisam encontrar um emprego para se sustentar”, afirma
Ludymilla ao apontar que haverá uma considerável elevação no número de
trabalhadores na categoria de Microempreendedor Individual (MEI) nos próximos
anos. De acordo com dados do Sebrae, o número de MEI superou os 7 milhões em
2017 e a estimativa é que chegue em 12 milhões em 2019. Os dados consideram
ainda que cerca de 7,5 milhões de mulheres trabalham por conta própria no
Brasil, sendo que 3,5 milhões atuam como microempreendedora.
A pesquisa do GEM também mostra que 40% das mulheres
brasileiras que possuem o próprio empreendimento têm até 34 anos. No caso dos
homens, a taxa cai para 36%. E por mais que possuam mais ensino, as mulheres
continuam ganhando menos que os homens, sendo que 73% delas recebem até três
salários mínimos e apenas 59% deles estão na mesma situação.
Dificuldades
Em contrapartida, Ludmylla afirma que a falta de preparação de
algumas mulheres é motivo para que não continuem o próprio negócio. “Observamos
que elas sentem falta do conhecimento pessoal para gerir”, alega. Ela acredita que
a falta de segurança para arriscar é um fator determinante que explica o porquê
das mulheres não empreenderem tanto. “Muitas vezes elas não têm apoio da família
e partem para a iniciativa sozinhas”.
Dentre as dificuldades enfrentadas na hora de empreender, a
proprietária do Instituto Health de Pós-Graduação (ITH), Ana Claudia Camargo,
acredita que fazer a marca ser conhecida no mercado é uma das primeiras barreiras.
“Quesitos burocráticos, como impostos e todas as regulamentações necessárias
para a abertura da empresa fazem parte de uma carga alta para o pequeno
empreendedor”, afirma. Ela destaca que a diferença de tratamento entre mulheres
e homens também é um fator recorrente no momento de contratar prestadores de
serviços. “É visto em nós uma fragilidade de conhecimento em algumas áreas, que
antes eram destinadas a homens”.
Ainda segundo a GEM, entre 2003 e 2013, a atuação da mulher
no campo do empreendedorismo passou de 24,8% para 28,7%. Por conta das lutas em
busca de igualdade salarial e de tratamento estarem ganhando mais forças ao
redor do mundo, Ludmylla diz que esse quadro ajuda a evidenciar que os
trabalhos para os homens podem ser os mesmos das mulheres. “Não há motivos para
diferenças. Os processos são os mesmos e a Rede de Mulheres facilita o
entendimento dessa visão”.
Cenário
A proprietária da Festa com Ideia, Camilla Stival, aponta
que a área também é um fator predominante que facilita ou dificulta na hora de
abrir uma empresa. Segundo a GEM, quase metade das empreendedoras iniciantes
atuam em apenas quatro atividades: cabeleireiros e tratamento de beleza, varejo
de roupas e acessórios, serviços de comida, bufê e trabalhos domésticos.
De acordo com outra pesquisa organizada pela consultoria
norte-americana McKinsey, lançada no dia 23 de fevereiro, aumenta em 21% as
chances de determinada empresa conseguir desempenho financeiro acima da média
quando são comandadas por mulheres. Ludmylla elenca algumas características,
baseadas no livro Mulheres Lideram Melhor que os Homens, que conseguem explicar o
porquê deste dado. “Muitas qualidades vem do feminino, que tanto a mulher
quanto o homem possuem, como a capacidade de liderança, de agrupamento,
multitarefas, colaboração com todos. Desenvolvendo tudo isso, nossa liderança
torna-se mais sustentável”.
Camilla vê esse cenário de lucro como algo promissor para as
mulheres. “É importante termos noção de que a imagem do homem no trabalho não é
a única correta. A mulher está fazendo seu lugar. Mesmo que ainda seja vista
como mãe e dona de casa, é importante que ela mesma saiba que pode ser mais”,
destaca. Para Danila, o número das próximas pesquisas serão maiores, porque
“quando se começa um trabalho e ele está relacionado com aquilo que você ama
fazer, não há vontade de parar”.
Ana Claudia evidencia que a capacidade da mulher em lidar
com várias funções ao mesmo tempo é o diferencial. “Não apenas no núcleo da
família, mas também dentro da empresa. Consequentemente, isso a torna mais
resiliente. À medida que um problema surge, a mulher o enfrenta, descobrindo
meios, aprendendo e refazendo”, disse enquanto fazia compras e concedia a
entrevista ao mesmo tempo. Segundo ela, os próximos anos, não apenas de sua
empresa, mas do empreendedorismo da mulher como um todo, terão um cenário
consideravelmente diferente de outras gerações. “Hoje a mulher é uma importante
fonte de trabalho. Tendo mais contato com mulheres em cargos altos, as pessoas
vão perceber que nós não somos tão frágeis”. Ela revela que o instituto de
pós-graduação cresceu 900% no número de alunos em dois anos e meio de
funcionamento e a maior parte do quadro de estudantes é composto por mulheres.
Iniciativa
Ludymilla Damatta observa que o medo é o maior obstáculo da
mulher empreendedora. “A verdade é que não há outra maneira a não ser ir e
fazer. Comece o quanto antes, porque uma coisa é certa, o tempo vai passar. O
medo só será amenizado à medida que a caminhada for feita”. Camilla indica que é
preciso começar com o que se tem maior afinidade. “Todo empreendimento terá
alguma dificuldade e não existe motivação quando se faz algo que não gosta”,
aponta.
Ana Claudia acredita que sonhos são perfeitamente possíveis
de serem realizados, desde que exista força de vontade, resiliência e estudo do
empreendimento. “O primeiro passo é determinar um plano de ação e avaliar o
mercado. Sem o conhecimento da área, a mulher pode não conseguir manter o
negócio”, explica. Já para Danila, o conhecimento popular de que as mulheres
são inimigas ficou no passado. “A cada dia, mais empreendedoras são
influências em outras vidas. É uma responsabilidade, não apenas minha, mas de
todas que estão se destacando em qualquer tipo de atividade. Ver uma mulher
tendo sucesso traz motivação e inspiração”.
A própria empresária Luiza Trajano, presidente do Magazine
Luiza, é um exemplo do que a mulher é capaz. A partir de sua jornada, ela
assumiu a empresa e a transformou em um dos maiores varejistas brasileiros. Em
suas palestras, Luiza afirma que uma das razões do sucesso da holding é ver
cada um dos funcionários como um empreendedor, além de tratar o cliente como o
bem mais precioso.
“A verdade é que não precisamos construir. Devemos romper os
paradigmas. Temos muitos pensamentos prontos e preconceitos antigos”, destaca Ludmylla,
que também acredita que não é possível abrir mão da mulher que tem contribuído para a
economia de uma forma geral, não apenas da casa ou com ela mesma. “É necessário
desconstruir tudo o que está posto até hoje para que seja possível entender e
entrar nesse novo mundo. Se ficarmos muito engessados às formas antigas, não
conseguiremos abraçar o futuro”.
As empresárias Camila Moreira, Luciana Sousa Marques e
Veruska Bettiol sabem que empreender é um desafio, mas também é uma grande
satisfação quando se torna possível materializar o próprio negócio. Com isso em mente, elas abriram uma loja especializada em cafés, chás e doces com
marca própria, com atuação no ramo desde novembro de 2016. “Ser mulher empreendedora é enfrentar a vida moderna agregando à rotina
atividades de trabalho. Tanto no próprio negócio quanto como colaboradora em
uma organização, é importante uma pitada generosa de empreendedorismo que é de
forma simplificada, a disposição associada á capacidade de agir diante de
projetos e negócios”, afirma Luciana.
Para as sócias, ser mulher empreendedora é empoderar-se de
sua vida pessoal e profissional, ao garantir independência financeira e de
decisão sobre o próprio negócio e vida. “O sucesso pessoal e profissional requer
alegria, determinação, força, otimismo, flexibilidade e coragem para correr e
assumir riscos”, afirma Camila Moreira. De acordo com ela, a busca por
formação e conhecimento qualificado fez a diferença. “Nós já participamos de
cursos e palestras para nossa capacitação. O dia a dia de um microempreendedor
é normalmente muito cheio de demandas, e precisávamos de ajuda externa para
colocar os controles em dia”.
Atualmente, a loja das empresárias conta com cinco
funcionários contratados. Camila acredita que para empreender é preciso ter persistência e ninguém deve desistir. “Tem meses em que o faturamento pode não ser bom, surgem dívidas, mas
não precisa ficar sofrendo com isso, é
preciso seguir em frente, pois tudo isso faz parte do negócio”.
*Victor Lisita é
integrante do programa de estágio do jornal OHoje.com, sob supervisão de Naiara
Gonçalves.
Fotos: Arquivo Pessoal e Redes Sociais