Elas não se intimidam e pegam no pesado sem medo
Faça chuva ou faça sol, elas estão exercendo profissões que escolheram dentro de um mercado de trabalho que ainda tem resistência por parte dos homens
*Kamilla Lemes
O mundo corporativo muda com o tempo e uma das marcas mais
significativas disso é o aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Entretanto,
a diferença salarial entre homens e mulheres ainda assusta.
Eles recebem até 30% mais para realizar as mesmas tarefas. Segundo o Fórum
Econômico Mundial, as mulheres só terão igualdade neste campo em 2095.
Contudo, com maestria e jogo de cintura elas preenchem vagas que até pouco tempo era dominada, em sua maioria, por homens. Dados do Ministério do Trabalho revelam que em menos de uma década o número de trabalhadoras na construção civil aumentou 65%. A quantidade de mulheres que integravam essa categoria no início do século XXI era de pouco mais de 83 mil, em meio a 1,094 milhão de pessoas empregadas pelo setor. Já em 2008, esse montante subiu para 137.969. A tendência se intensificou ainda mais entre 2012 e 2014, quando o País viveu um boom imobiliário. Dados do Senai Goiás, divulgado em março de 2017, reforçam também essa mudança. Conforme o centro de formação profissional, entre 2010 e 2014, o número de mulheres que se matricularam em cursos ligados à construção aumentou 82%.
O sexo feminino já não teme passar diante de um canteiro de obras cheio do sexo oposto: elas estão se igualando e tomando conta do lugar deles, lá dentro. A pedreira Ivonete Borges da Silva, 49 anos, não reclama. “Decidi trabalhar nessa profissão em busca de um salário melhor. Há seis anos sou pedreira de acabamentos com muito orgulho. Comecei como rejuntadeira e fiz um curso profissionalizante que deu muito certo, me capacitando por completa”, conta.
Em se tratando de obstáculos, ela não se intimida com as dificuldades do cotidiano. “Um dos meus maiores desafios nas obras é o peso. Por ser um serviço braçal, na maioria das vezes, muitos dos meus colegas me ajudam quando eu preciso. Eles me dão força e me respeitam como deve ser. No entanto, comigo não tem essa de não pegar no pesado. Se for preciso eu pego saco de cimento, saco de argamassa, caixa de pisos”, relata.
Ainda de acordo com Ivonete, independentemente de ser mulher ou não, o ganho entre os funcionários é o mesmo. “Nosso salário é igual dentro da empresa. Nós, que cuidamos dessa parte do Checklist recebemos o salário igual, sem distinção de gênero”, completa.
De um modo geral, liderar talvez nem sempre seja bem aceito pelo público masculino. Porém, cada vez mais, de acordo com dados divulgados anualmente, as mulheres se enraízam e se se encarregam do comando nas mais diversas áreas possíveis.
Um bom exemplo desse movimento é a engenheira Sarah Paiva, de 28 anos, que atualmente comanda cerca de 200 operários. Desde que iniciou a graduação, em 2007, ela nunca mediu esforços para alcançar os seus objetivos como profissional. “Desde que entrei na Engenharia, eu sabia o que eu queria. No mesmo ano em que me formei, fui efetivada. Confesso que no início vi algumas dificuldades em ser uma líder de obra, mas também vi muitas vantagens”, pontua. Ela revela que parte da sua efetivação se deu pelos mínimos detalhes que talvez um homem deixe passar despercebido.
Quando se trata de direção, não há limites para uma boa execução do trajeto e claro, uma boa dose de confiança. Segundo a motorista de Uber, Rafaella Rodrigues, de 37 anos, algumas mudanças tornam-se melhores do que o imaginado. “Eu trabalhava como analista financeira e larguei tudo para seguir como Uber”, afirma a motorista que está atuando no aplicativo de transporte desde agosto do ano passado. Antes de começar a trabalhar com o aplicativo, ela mesmo constatou o quanto era raro a presença feminina na função. “De trinta corridas que eu solicitava, duas eram mulheres”, diz a ex-analista.
Rafaella conta que a questão financeira sempre deu certo, suprindo além das necessidades. Feliz na atual profissão, a Uber confessa que já passou por momentos que necessitaram de muita calma e jogo de cintura, principalmente quando se trata de assédio. “Uma vez, um passageiro tentou me beijar de toda forma durante uma corrida a noite. Tudo acabou em briga de rolar calçada abaixo por tamanho desrespeito comigo”, relata. Outro caso apontado por ela foi uma agressão policial: “Levei um tapa no rosto de um policial. Enquanto eu dirigia de madrugada, por volta de 00h30, eu fui parada em uma abordagem e ele estava todo nervoso. Perguntei se pelo fato de eu ser mulher, seria o motivo de tamanha raiva e que se ele quisesse me multar, que fizesse. Ele me empurrou e simplesmente me acertou. Foi um momento bem difícil”, recorda o período de total frustração.
A ex-caminhoneira, Marta Barbosa da Silva Ribeiro, 47 anos, atualmente trabalha como motorista de eixo Anhanguera há quase quatro anos, em Goiânia. Vaidosa, ela afirma que desde quando começou na Metrobus, foi bem recebida e garante que já conquistou algumas boas amizades pela rotina do trajeto. “No começo, até entre os colegas era um pouco complicado, pois aconteciam vários comentários e piadas. Com o passar do tempo, eles foram se acostumando comigo”, enfatiza, acrescentando que as reclamações também partem dos passageiros. “Chega a ser engraçado, porque quando é preciso dar uma freada mais brusca, quem mais reclama são os homens”.
Em meio ao noticiário de altos índices de criminalidade e violência, principalmente com relação ao transporte público, quem fica com o coração na mão são os familiares de Marta. “Meus filhos ficam preocupados, dizem que sou louca por trabalhar com isso e que eu não preciso. Mas eu sempre digo que gosto do que faço. Adoro levantar de manhã e ter o que fazer. Em um trabalho tão desafiador como esse, que é transportar vidas, principalmente entregar os passageiros com segurança, eu me sinto extremamente realizada ao fim da escala, de consciência tranquila”, ressalta sorridente a motorista.
Para mulheres que trabalham durante o período noturno, cuidando da limpeza das ruas de Goiânia por exemplo, a exposição a perigos é mais frequente. Entretanto, Juraci Rodrigues Alves, de 59 anos, e Sandra Maria da Silva, 49, atuam na Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) há mais de onze anos, garantem que não há obstáculos e nem riscos que as façam desistir.
As duas afirmam que apesar da desvalorização da mulher no ramo e em qualquer outra área que atuem, o respeito e a competência é compatível com os homens, especificamente na Comurg. “Hoje eu sou coordenadora do pessoal do turno da noite. Mas já varri muitas ruas de Goiânia e por um bom tempo. Me encarrego da equipe dando orientações, cuidando de pontos que podem ser melhorados na execução do trabalho e chamando a atenção para o cuidado com a saúde deles”, enumera Sandra.
Juraci faz questão de ressaltar que tem orgulho do tempo que passa na rua. “Cheguei aqui em um tempo em que as coisas não eram muito modernas e nem bem aceitas. Uma mulher na varredura? No entanto, fui muito bem recebida pelos meus colegas”, finaliza.
*Kamilla Lemes faz parte do programa de estágio do Jornal OHoje.com, sob supervisão de Naiara Gonçalves
(Fotos: Divulgação)