Venda de três entre as maiores estatais pagaria o equivalente a 246 dias de juros
Lauro Veiga
Se
o governo federal conseguisse vender três entre suas principais estatais ao
preço de mercado, sem “arranjos especiais” nem parcelamentos a perder de vista
e sem o dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), a arrecadação esperada seria suficiente para pagar o corresponde a 246
dias de juros da dívida pública federal. Isso, claro, se o modelo de
privatização adotado no País fosse totalmente revisado,
revirado de cabeça para baixo para impedir que gaviões do mercado abocanhem o
melhor do botim. Ainda assim, o Estado estaria abrindo mão de áreas
estratégicas para o País e transferindo a grupos privados (e provavelmente para
estrangeiros) ativos construídos ao longo de décadas de sacrifícios pela
sociedade.
A
conta é simples, mas não parece despertar interesse nem indignação daqueles que
comandam a equipe econômica e seus aliados no mercado financeiro, de olho em
resultados de curtíssimo prazo e nos lucros mirabolantes que as operações
trariam (para uma meia dúzia de espertos, como foi nos governos passados).
Considerando a participação da União e bancos públicos federais no capital da
Petrobrás, Eletrobrás e do Banco do Brasil, assim como o valor de mercado de
cada uma dessas estatais, o governo federal poderia arrematá-las por algo em
torno de R$ 260,0 bilhões (um pouco menos, na verdade). No ano passado, apenas
os juros da dívida do governo federal consumiram R$ 385,43 bilhões, quer dizer,
um valor 48% maior do que a arrecadação prevista. Quer dizer, mesmo vendendo
uma empresa estratégica como a Petrobrás (toda ela e não apenas o setor de
distribuição e as refinarias), que pode ter suas reservas elevadas para quase 50,0
bilhões de barris com o pré-sal (ativo que pode ser avaliado em algo como US$
3,0 trilhões a se considerar o preço do barril a US$ 60), só a conta de juros
seria quase 50% maior.
Contra a
corrente
A
equipe econômica argumenta que os resultados da privatização não deverão ajudar
a compor o ajuste fiscal, vale dizer, a liquidação de estatais não se prestaria
a reforçar o fluxo de caixa do Tesouro e reduzir o déficit primário (o que
faria menos sentido ainda). Mas faria parte de um planejamento de mais longo
prazo, buscando agregar maior eficiência e estimular a produtividade em todo o
conjunto da economia. Mais uma vez, o Brasil pode estar remando contra a
corrente, conforme sugere levantamento publicado recentemente pelo
TransnationalInstitute (TNI) e reproduzido aqui pela plataforma UOL.
Balanço
·
Andar
na contramão do restante do mundo parece ser uma especialidade brasileira. No
levantamento da TNI, um centro de estudos sobre democracia e sustentabilidade
com sede na Holanda, entre 2000 e 2017, o mundo reestatizou (ou
“desprivatizou”, como preferir o leitor) pelo menos 884 serviços essenciais,
incluindo desde abastecimento de água e energia, coleta de lixo, programas habitacionais
e até funerárias.
·
Engana-se
quem acredita que o processo ficou limitado a países “socialistas” ou
“comunistas”. Pelo contrário. As reestatizações foram mais intensas na
Alemanha, economia considerada como modelo de eficiência e campeã de
produtividade.
·
O
país germânico respondeu por quase um quinto das “desprivatizações”, envolvendo
um total de 348 serviços. Desse total, 284 foram de serviços nas áreas de
abastecimento de eletricidade, gás e aquecimento, todos retornaram ao controle
público.
·
Segundo
a publicação, parte ou o total dessas empresas haviam sido vendidas pelo
governo entre os anos 1990 e o começo da década passada. A Alemanha passou a
recomprá-los gradualmente a partir de 2007. A população de Hamburgo, num
exemplo, decidiu reestatizar as redes locais de energia, num desembolso de €
500,0 milhões (em torno de R$ 2,158 bilhões pela cotação de ontem da moeda).
·
A
França protagonizou 152 reestatizações, especialmente na área de abastecimento
de água, depois de verificar que as tarifas eram mais baixas nas regiões onde o
serviço ainda era público. Nos Estados Unidos, foram registrados 67 casos, nas
áreas de água e energia.
Segundo a TNI, a reestatização é uma tendência e
vem crescendo no mundo.