Massa de rendimentos das famílias encolhe R$ 61,4 bilhões desde janeiro
Desemprego elevado continua sendo um forte obstáculo a uma recuperação real da atividade econômica – Foto: Reprodução
Lauro Veiga Filho
O acompanhamento trimestral realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio de sua Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), sugere o tamanho do
impacto da crise sobre uma parcela importante da renda das famílias, aquela
obtida no trabalho. A forte queda na ocupação, a retração no rendimento real
médio efetivamente recebido pelas pessoas que ainda tinham alguma ocupação até
o trimestre entre maio e julho deste ano, assim como o desemprego elevado e,
mais ainda, o crescimento vigoroso do número de trabalhadores que desistiu de
procurar emprego, por desalento ou falta de opção, continuam sendo um forte
obstáculo a uma recuperação real da atividade econômica.
Essa combinação deletéria produziu uma
retração recorde na massa de rendimentos reais efetivamente recebidos pelos
trabalhadores. Traduzindo: a soma de todos os rendimentos de fato recebidos por
todos os ocupados, já corrigidos pela inflação, tem sofrido retração desde o
começo do ano e mesmo antes da pandemia – o que já sinalizava uma economia em
baixo crescimento e mesmo em baixa, tendência agravada duramente pela crise
sanitária. No trimestre maio a julho deste ano, a massa de rendimentos efetivos
atingiu R$ 185,644 bilhões, o que correspondeu ao valor mais baixo, em termos
reais, em toda a série histórica (inferior até mesmo aos níveis registrados na
recessão de 2015/16).
A queda foi de 11,5% em relação ao
trimestre imediatamente anterior (fevereiro a abril), numa perda de R$ 24,167
bilhões. O rombo no orçamento das famílias aumentou de forma ainda mais severa
desde o trimestre encerrado em janeiro deste ano, quando a massa efetiva de
rendimentos reais havia alcançado R$ 247,089 bilhões. Desde lá, portanto,
aqueles trabalhadores que permaneceram ocupados deixaram de receber qualquer
coisa ao redor de R$ 61,445 bilhões, o que correspondeu a um corte de
praticamente um quarto em seus rendimentos totais.
Perdas
O Banco Central (BC) estima regularmente
a massa salarial ampliada disponível, que inclui todos os rendimentos do
trabalho e as transferências de renda recebidas pelas famílias, como Bolsa
Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC), pensões e aposentadorias
pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pelos regimes próprios
de Previdência do setor público. Segundo o BC, o dado não incluía, até ali pelo
menos, o auxílio emergencial recebido pelas famílias durante a pandemia. Do
total, são descontados os recolhimentos devidos ao Imposto de Renda (IR) e
contribuições à Previdência. Na média trimestral, essa massa de rendimentos caiu
de R$ 316,894 bilhões em dezembro passado para R$ 266,958 bilhões no trimestre
encerrado em junho deste ano, numa redução de 15,8% (ou seja, R$ 49,937 bilhões
a menos)
Balanço
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Para
comparação, de volta às estatísticas da PNADC, a massa de rendimentos
habitualmente recebida apresentou recuo de 3,8% no mesmo período, somando R$
203,016 bilhões. A massa de rendimentos efetivamente pagos aos trabalhadores,
portanto, correspondeu a 91,4% da massa habitual. No trimestre maio a julho de
2019, a massa efetivamente paga havia sido 0,50% maior do que a habitual.
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Isso
significa que, na boca do caixa, os ocupados estão recebendo menos, apenas para
deixar muito claro, e tenderão, portanto, a consumir
menos. Essa propensão ao consumo tenderá a ser ainda menor agora que o auxílio
emergencial foi reduzido para R$ 300 (diante de valores entre R$ 600 a R$ 1,2
mil pagos até agosto).
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A
reação observada até aqui, refletindo a reabertura da maior parte dos negócios,
deverá esbarrar na falta de renda dos trabalhadores, agravada pelo corte no
auxílio emergencial. Além disso, o cenário no mercado de trabalho poderá ainda
sofrer piora, diante do elevado número de pessoas desalentadas (recorde
histórico) e de trabalhadores literalmente expulsos do mercado pelo
emperramento dos negócios em geral.
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O
número oficial para o desemprego aponta uma taxa de 13,8% no trimestre
maio-julho deste ano, a mais elevada desde o começo da pesquisa, em 2012. Se a
esse número forem acrescidos os desalentados (5,797 milhões de pessoas), a taxa
de desocupação aproxima-se de 19,5%, representando 18,927 milhões de
trabalhadores, o que corresponde, por sua vez, a 10,9% de todo brasileiro com
14 anos ou mais de idade.
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Incluindo
aqueles que trabalham menos horas do que precisariam para pagar as contas e
aqueles que deixaram o mercado, mas gostariam de retornar, caso houvesse uma oportunidade
digna de colocação, o número salta para 32,892 milhões de pessoas. Esse
contingente corresponde à soma das pessoas desocupadas que ainda continuavam a
procurar emprego na semana da pesquisa, subocupadas por insuficiência de horas
trabalhadas, desalentados e os trabalhadores que simplesmente interromperam a
busca por emprego, mas continuam dispostos a trabalhar.
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Somente
a chamada “força de trabalho potencial”, que soma desalentados e aqueles
expulsos do mercado, mas que prefeririam estar trabalhando, bateu no nível
histórico de 13,994 milhões no trimestre maio-julho deste ano, saltando 70,6%
em relação ao mesmo período do ano passado. Se todos decidissem retomar a
procura por emprego, o número de desempregados mais do que dobraria, para 27,124
milhões de pessoas, fazendo a taxa de desemprego saltar para 24,9%.
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O
encolhimento do mercado traz complicações adicionais para o financiamento da
Previdência. O total de ocupados que contribuíam para algum sistema de
previdência chegou ao nível mais baixo desde o primeiro trimestre de 2012,
início da pesquisa, encolhendo para 54,041 milhões. Em seu melhor momento, na
quarto trimestre de 2015, esse número abrangia 60,320 milhões de trabalhadores.
Desde lá, 6,279 milhões deixaram de contribuir ou perderam o emprego, numa
queda de 10,4% até o trimestre maio a julho deste ano.