Parte do BC entra em órbita e vê “economia normalizada” (não ria)
Na visão daqueles diretores, não apenas a atividade econômica no País já teria retornado à normalidade, como comportaria um aumento imediato da taxa básica de juros | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
Parte
dos diretores do Banco Central (BC) que participam do Comitê de Política
Monetária (Copom), responsável por definir para onde deve caminhar a política
de juros, parece ter surtado de vez – o que deixa esse pessoal muito mais
próximo do núcleo do poder em Brasília, por motivos já largamente conhecidos. Na
visão daqueles diretores, não apenas a atividade econômica no País já teria
retornado à normalidade, como comportaria um aumento imediato da taxa básica de
juros, mantida em 2,0% ao ano desde o começo de agosto do ano passado. Resta
saber em que órbita circulam aqueles diretores – provavelmente muito próxima do
astro rei, a ponto de terem os miolos derretidos pelo calor excessivo.
Para
o bem de todos, esse tipo de avaliação ainda não é predominante dentro do
Copom, mas não há nada que assegure que venha ser nas próximas reuniões do
comitê. A ata da reunião mais recente do colegiado, esmiuçada pelo
economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, aponta que a
avaliação daquele grupo de diretores indica “preocupação central com o grau de
estímulo monetário vigente”. Por “estímulo monetário” estenda-se o nível em
vigor da chamada taxa Selic (sigla para Sistema Especial de Liquidação e de
Custódia, onde são negociados títulos públicos federais sob a administração do
BC).
Abrindo
o parêntese, a taxa Selic reflete o nível médio diário dos juros embutidos nos
títulos negociados entre instituições financeiras que formam o sistema. O BC
compra ou vende títulos (quer dizer, reduz ou aumenta a oferta de papéis no
Selic) para regular aqueles juros, mantendo-os dentro da meta fixada pelo
Copom. Fecha parêntese.
Tudo
normal, só que não
De
volta à vaca fria, aquela turma adepta da “porrada pura” (ou tarada por juros
altos) acredita que o nível “extraordinariamente elevado” do estímulo
monetário, vigente desde maio do ano passado, quando os juros básicos foram
reduzidos de 3,75% para 3,0% (nível que seria reduzido em junho para 2,25% e
dois meses depois para 2,0%), deveria ser revisado desde agora. Simplesmente
porque, no entendimento desse pessoal, a economia poderia desde já dispensar
qualquer tipo de estímulo “frente à normalização observada nos últimos meses” –
certamente referindo-se aos mais de 14,0 milhões de desempregados no número
aferido em novembro passado, mais um recorde associado à crise sanitária. Pode
parecer complicado entender o que se passa pela cabeça dessa turma e é mesmo.
Esse tipo de avaliação ganha tintas ainda mais surreais ao desconsiderar
totalmente o quadro de agravamento vertical da pandemia, com salto descontrolado
no total de casos de contágio e de mortes, caos no sistema de saúde em Estados
do Norte do País e muitos Estados caminhando para o esgotamento da capacidade
de receber e prover tratamento adequado aos doentes.Devem supor que esse
cenário não terá consequências para a economia, o que sugere incapacidade para
gerir a política econômica.
Balanço
·
Para tentar assegurar alguma forma de sustentação
empírica para suas conclusões, a turma da “porrada pura” argumenta que houve
uma reversão do “choque desinflacionário” observado nos primeiros meses do ano
passado (ou seja, a inflação deixou de namorar com taxas negativas e passou a
experimentar alta ao longo do segundo semestre de 2020), assim como foi
revertida a trajetória de queda das expectativas de inflação alimentadas pelos
mercados.
·
Claro, a “normalização da economia” trouxe também
uma “redução da ociosidade”, sugerida pelo aumento nos empregos formais. Trata-se
de uma análise pobre, medíocre do momento econômico. Os dados avaliados pela
turma da “porrada pura” consideram apenas as estatísticas do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged), informadas pelas empresas ao governo
voluntariamente.
·
Para alguns analistas, as informações do Caged
parecem subdimensionar as demissões em suas edições mais recentes, mas nunca
forneceram um retrato mais realista do mercado de trabalho. As estatísticas da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fornecem uma visão mais
aproximada ao incluir empregados formais e informais.
·
E
os números continuavam muito negativos até novembro, indicando, sim, uma
elevação nas contratações, mas em número insuficiente para abrigar aqueles que
buscam emprego pela primeira vez e ainda absorver os trabalhadores que haviam
desistido de procurar colocação e agora retornam ao mercado em busca de alguma
forma de subsistência. Tanto que o desemprego continuava crescendo.
·
Até aqui, com o ritmo titubeante da vacinação, o
crescimento acelerado dos contágios e a ausência de uma organização central, a
“normalização” parece ainda distante.Neste início de ano, a inflação parece dar
uma folga, com o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo15 (IPCA-15) de janeiro atingindo 0,78%
(diante de 1,35% acumulado nos 30 dias de dezembro). Na média, os mercados
apostavam numa taxa ao redor de 0,82%.
·
A redução foi influenciada principalmente pela alta
menor das tarifas residenciais de energia, com adoção da bandeira amarela em
janeiro (de 9,34% para 3,14%), e pelo tombo de 20,49% nos preços das passagens
aéreas, itens que haviam respondido por quase 38,6% do IPCA de dezembro.
Excluídos os dois itens, a inflação dos demais produtos e serviços apresentou
desaceleração, atingindo 0,77% nas quatro semanas encerradas em 15 de janeiro,
diante de variação de 0,83% em dezembro.