Indústria até cresce no fim de 2020, mas fecha ano em queda e com dúvidas
O setor começa o novo ano sob incertezas e diante da perspectiva de um primeiro trimestre negativo, sob influência da redução adicional da demanda esperada a partir do final do auxílio emergencial | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
A
produção industrial veio acima do que esperavam os mercados no final do ano
passado, mas não conseguiu escapar do vermelho no acumulado em todo o período,
alcançando o segundo ano de perdas, geradas por deficiências estruturais
enfrentadas pelo setor e, no ano recém-encerrado, pelos impactos da pandemia,
como já se sabe. O setor começa o novo ano sob incertezas e diante da perspectiva
de um primeiro trimestre negativo, sob influência da redução adicional da
demanda esperada a partir do final do auxílio emergencial.
Além
do fim do auxílio, que retira da economia algo próximo a R$ 32,6 bilhões
mensais (considerando a média do benefício pago entre abril e dezembro do ano
passado), dois outros fatores que contribuíram para o resultado de dezembro da
produção industrial, como lembra o economista José Francisco Gonçalves de Lima,
do Banco Fator, não deverão mais influenciar no desempenho do setor daqui para
frente. Na sua visão, “parte da recuperação (em dezembro) se deveu à
recomposição de estoques (bastante afetados nos meses de paralização quase
total da produção, em alguns setores estratégicos) e à retomada de obras
demandantes de bens de capital (um dos segmentos que mais influíram nos números
da indústria em geral no encerramento de 2020, depois de bens intermediários)”.
Nos
dois casos, acrescenta Gonçalves, “os movimentos são temporários” e, portanto,
não teriam capacidade, isoladamente, para sustentar um ciclo de recuperação
mais longo e de maior fôlego. Até porque, o restante da conjuntura econômica
continua pouco favorável, o que parece estar por trás da queda recente do indicador
de confiança da indústria, aferido mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV). Em janeiro, aquele índice sofreu baixa de 3,6% em relação a dezembro,
com quedas tanto para a avaliação do empresariado industrial em relação à
situação atual (-3,6%) como para o índice de expectativas (-3,3%). A nova onda
de contágios e mortes causados pelo Sars-CoV-2 limitará ainda mais as
perspectivas de uma retomada da economia como um todo nestes primeiros meses de
2021, processo agravado pela lentidão e desorganização do governo na vacinação
contra o vírus.
Desaceleração
em curso
Há
um dado adicional a ser considerado. Ainda que o resultado de dezembro tenha
superado as expectativas do mercado, com variação de 0,9% em relação a
novembro, já com os tais ajustes sazonais (que permitem eliminar a influência
de fatores que se repetem em meses específicos do ano e que podem distorcer a
comparação mensal), diante de previsão de um recuo de 0,4%, os indicadores
confirmam uma tendência de desaceleração no semestre passado. Sempre na
comparação com o mês imediatamente anterior, a produção havia avançado 9,6% em
junho e 8,6% em julho, com a taxa baixando nos meses seguintes para 3,5%, 2,8%,
1,0% e 1,1% já em novembro.
Balanço
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Em
relação a dezembro de 2019, a produção avançou 8,2% (diante de uma previsão
média de alta de 5,5%) e dois terços desse crescimento ficaram concentrados em
quatro setores – veículos (+22,6%), máquinas e equipamentos (+37,4%),
metalurgia (+28,9%) e produtos de metal (+23,6%).
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O
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela
pesquisa mensal da produção industrial, destaca um salto de fato
impressionante, ao ser analisado isoladamente, de 41,8% acumulado nos oito
meses até dezembro de 2020. O fato, no entanto, é que a reação veio sobre uma
base muito deprimida pelas medidas mais duras de distanciamento adotadas pelos
governos nas primeiras semanas da pandemia. E não foi suficiente para evitar a
queda de 4,5% nos 12 meses do ano passado, na sequência do recuo de 1,1%
registrado em 2019.
·
A
análise do desempenho trimestral da produção, os dados da pesquisa mostram
baixas de 1,7%, de 19,4% e um recuo adicional de 0,4% no primeiro, segundo e
terceiro trimestres do ano passado, respectivamente, comparados a idênticos
períodos de 2019. Bens de consumo foram a categoria mais afetada, com destaque
para produtos semi e não duráveis (segmento que inclui setores de primeira
necessidade, como alimentos, por exemplo).
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Na
sequência, por trimestre, a produção de bens de consumo caiu 4,0% no primeiro,
desabou 27,5% no segundo, para recuar 4,1% e 0,6% nos dois trimestres
seguintes. A produção de bens semiduráveis e de não duráveis já vinha de um
resultado já negativo no primeiro trimestre, quando baixou 3,2%, e despencou
16,6% no segundo trimestre, caindo 3,1% e 1,1% no terceiro e quarto trimestres.
Em todo o ano, a produção murchou 5,9%.
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Além
de setores básicos, sob o ponto de vista do consumo familiar, a produção de
álcool e de gasolina, seguindo a mesma ordem, experimentou baixas de 4,5%, de
17,1%, de 9,6% e de 8,0%. A indústria de laticínios fugiu do padrão e registrou
perdas mais severa logo no primeiro trimestre de 2020, ao desabar 13,5%.
Seguiram-se quedas de 2,2%, de 0,7% e de 5,3%, sinalizando um agravamento da
crise no setor no trimestre final do ano passado.
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O
setor de bens de capital, um sinalizador importante do ritmo dos investimentos
na economia, sofreu perdas de 2,3% no primeiro trimestre, despencou 38,5% no
segundo e mais 10,3% no terceiro, para saltar 14,8% no quatro trimestre. A alta
mais destacada no período veio da produção de bens de capital para a
agricultura (+36,4%) e para o setor de construção (26,5%) – apenas lembrando
que a produção de bens de capital para o segmento havia desabado 40,4% no
segundo trimestre.