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domingo, 24 de novembro de 2024
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Queda dos juros ajudou a conter avanço da dívida dos governos

Dívida bruta do governo geral, incluindo União, governos estaduais e municipais e suas estatais, surpreendeu analistas, consultores e economistas em geral no ano passado, atingindo 89,3% do PIB, diante de 74,3% em 2019 | Foto: reprodução

Postado em 9 de fevereiro de 2021 por Sheyla Sousa
Superávit primário do Estado cresce 25
Confira a coluna Econômica

Lauro Veiga 

O
número final da dívida bruta do governo geral, incluindo União, governos
estaduais e municipais e suas estatais, surpreendeu analistas, consultores e
economistas em geral no ano passado, atingindo 89,3% do Produto Interno Bruto
(PIB), diante de 74,3% em 2019. Evidentemente, trata-se, historicamente, de um
nível alto, consideradas as condições muito especiais enfrentadas pela economia
– aqui e no restante do mundo – de março em diante, no caso brasileiro, quando
o Sars-CoV-2 desembarcou por aqui. Mas o número veio sensivelmente abaixo
daquele alardeado pelos mercados até por volta do final do terceiro e início do
quarto trimestres de 2020, com as apostas sugerindo uma dívida em torno de 95%
e mesmo pouco acima de 100% do PIB.

Uma
combinação de fatores parece explicar porque a dívida não explodiu tanto quanto
esperavam os mais pessimistas – e, entre aqueles, os chamados “terroristas
fiscais”, dedicados ao esporte preferido de nove entre 10 economistas
“pró-mercado” (uma definição até generosa quando se trata de classificar esse
tipo de profissional que tem dominado o debate econômico no País nas últimas
décadas). Aqui, os diagnósticos e as propostas de solução para os vários e
graves problemas enfrentados pela economia têm sido limitados por um
conservadorismo e uma ortodoxia abandonados até mesmo pela matriz, resumidos
num enxugamento radical do Estado. Seria esse o caminho – único, a se dar
crédito a essa corrente do pensamento econômico – para ajustar a dívida pública
e fazê-la recuar para níveis considerados sustentáveis.

Um
dos pontos a explicar o crescimento da dívida menos desastroso do que o
esperado está justamente numa variável que aquele perfil de economista tem
sempre preferido deixar escondido sob o tapete da sala. Sim, voltamos a falar
sobre os juros. Claro, na visão daqueles economistas, dos analistas e
comentaristas instalados na grande imprensa, os juros não haviam cumprido
qualquer papel na trajetória de agravamento dos desequilíbrios entre receitas e
despesas nos últimos anos. Sua queda, mais recentemente, não poderia, portanto,
ser considerada quando se trata de apontar culpados, desenhar diagnósticos e
antecipar prognósticos para o endividamento do setor público.

O outro lado da moeda

Um
exercício hipotético, no entanto, pode ajudar a entender a influência dos juros
mais baixos sobre a dívida. Os números oficiais do Banco Central (BC) mostram,
por exemplo, que em 2016 as despesas com juros foram responsáveis por todo o
aumento da dívida bruta dos governos (com alguma sobra). Naquele ano, a dívida
bruta havia atingido R$ 4,378 trilhões, ligeiramente acima de 69,8% do PIB.
Comparada a 2015, o crescimento chegou a 11,5% – ou seja, um acréscimo de R$
450,963 bilhões (7,20% do PIB). Os gastos com juros acrescentaram R$ 511,619
bilhões no saldo da dívida. Como assim? A conta parece não fechar, não é mesmo?
O resultado final foi influenciado por ajustes motivados por variações do dólar
e, ainda, pelo fato de o governo federal ter aproveitado para recomprar uma
parcela de sua dívida no mercado (algo em torno de R$ 18,5 bilhões). Resumindo:
a dívida cresceu porque a conta dos juros foi muito alta, algo em torno de 8,2%
do PIB.

Balanço

·  
Neste
ano, o cenário foi outro. Entre emissões de dívida nova e resgate de papéis no
mercado (recompra de títulos federais), a venda líquida de títulos somou R$
671,398 bilhões, numa estratégia para responder às pressões por novas despesas
especialmente na área da saúde e ainda para socorrer empresas e famílias durante
a pandemia. Os juros, desta vez, explicaram 31,1% do aumento da dívida frente a
2019, com as despesas somando R$ 347,179 bilhões nesta área.

·  
A
dívida, como já conhecido, aumentou 20,28%, de R$ 5,500 trilhões para R$ 6,616
trilhões, em alta de R$ 1,116 trilhão (15,0% do PIB).

·  
Suponham,
raras leitoras e raros leitores, que os juros tivessem
retomado, em 2020, aos mesmos níveis de 2016 (13,1% ao ano, na média do
período, quando calculados sobre o saldo total da dívida bruta). Como visto,
naquele ano, a conta dos juros havia alcançado perto de 8,2% do PIB. Como o BC
estima um produto na casa de R$ 7,410 trilhões para 2020, a conta dos juros
teria saltado para R$ 604,682 bilhões, num salto de 74,2% frente ao gasto
efetivamente registrado.

·  
Nesta
hipótese, considerando todas as demais variáveis constantes (construção muito
cara aos economistas “pró-mercado”), a dívida bruta teria subido para R$ 6,873
trilhões, crescendo praticamente 25,0% em relação a 2019 e atingindo quase
92,8% do PIB. Numa leitura reversa, pode-se supor que a redução dos juros, que
passaram a 5,9% sobre o total da dívida, na média de todo o ano passado, foi
suficiente para evitar um aumento adicional de R$ 257,5 bilhões no saldo
daquela dívida.

·  
O
valor corresponde a um ajuste nada desprezível de praticamente 3,5% do PIB. Mas
os senhores economistas não parecem dispostos a fazer essa conta porque teriam
que reconhecer, de outra parte, o impacto da alta dos juros sobre o crescimento
da dívida nos últimos anos.

·  
Claro
que o avanço da dívida menor do que o previsto deveu-se a outras razões também.
A queda menos acentuada do PIB no ano passado, estimada pelos mercados em 4,5%
(diante de perdas ao redor de 5,0% e até mais previstas anteriormente) compõe o
conjunto de explicações. Segundo Bráulio Borges, economista-sênior da área de
macroeconomia da LCA, a revisão para cima do valor nominal do PIB a partir de
2018 ajudou igualmente, assim como diferenças entre a inflação e o índice
calculado pelo IBGE para corrigir o PIB.

·  Outra
parte da explicação está no fato de o governo não ter gasto todos os recursos
incluídos no chamado “orçamento de guerra”, criado para fazer frente às
despesas com a Covid-19. Conforme Borges, perto de R$ 40,0 bilhões não foram
gastos em 2020, reduzindo proporcionalmente o déficit primário (despesas menos
receitas, excluídos os gastos com juros). Ou seja, foi preciso emitir um pouco
menos dívida para cobrir o rombo.

 

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