Comércio varejista experimenta pior baixa pelo menos desde 2000
Lauro Veiga
A
redução do auxílio emergencial nos meses finais do ano passado, as taxas de
desemprego ainda muito elevadas e os efeitos da inflação mais alta sobre a
renda das famílias ajudaram a derrubar as vendas do varejo convencional no
último mês de 2020. Na comparação com novembro, as vendas do setor despencaram
6,1%, o que correspondeu ao pior resultado em toda a série mais recente de
dados da pesquisa mensal do comércio realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 2000. No varejo ampliado, conceito
que inclui concessionárias de motos e veículos, lojas de autopeças e de
material de construção, as venda encolheram 3,7%, com baixas de 2,6% para
veículos, motos e peças e de 1,8% para materiais de construção.
O
comportamento das vendas até ali sugere resultados desanimadores para o início
deste ano, levando-se em conta que os fatores que levaram ao forte
desaquecimento na virada do ano estarão ainda presentes e, de certa forma, até
com intensidade maior. Deve-se considerar que dezembro ainda registrou
pagamentos do auxílio emergencial, ainda que em valores mais reduzidos quando
comparados a julho e agosto, programa extinto no final de 2020. A perda de
rendimentos causada pelo fim do auxílio deverá empurrar mais pessoas que
estavam fora do mercado de volta às ruas para procurar alguma forma de ocupação
(o que já vinha ocorrendo no último trimestre do ano passado com a redução do
auxílio).
O
resultado deverá ser desemprego ainda mais elevado, o que significará pressões
adicionais sobre a equipe econômica e o Congresso para a adoção de políticas
emergenciais de renda mínima, ou algo na mesma direção, para as famílias mais
vulneráveis. Na avaliação do Banco Fator, a soma daquelas variáveis não permite
“abandonar a hipótese de desemprego elevado, renda familiar acanhada e receio
com as perspectivas de ocupação e renda mantenham as vendas em queda no início
de 2021”, já que um programa naqueles moldes ainda não existe.Agravando todo o
cenário, a recaída da pandemia, com a multiplicação dos casos de contágio e de
mortes, e o ritmo ainda lento da vacinação intensificam as incertezas em
relação aos primeiros meses deste ano, num quadro que tende a se alongar até
pelo menos o final deste semestre.
Cortando na
carne
Em
seu relatório diário, o banco destaca ainda que “a relação entre varejo e
produção industrial sinaliza que as encomendas à indústria devem ter caído além
dos níveis históricos no fim de 2020”, numa dificuldade a mais para a indústria
neste começo de ano. Segundo a mesma análise, a redução das vendas em dezembro
na comparação com novembro foi generalizada, “alcançando até farmácias (-1,6%) e
supermercados (-0,3%), setores de vendas não discricionárias”. Em outras
palavras, aqueles dois setores trabalham com produtos essenciais para as
famílias, fazendo parte da relação de itens quase obrigatórios – quer dizer,
quando há renda disponível para tanto.Quando o corte no consumo atinge tal
nível, pode-se temer pelo futuro imediato da atividade econômica. Parece muito
evidente que, a esta altura, apenas um tresloucado, totalmente desligado da
realidade, poderia continuar insistindo que a economia brasileira continua em
crescimento acelerado.
Balanço
·
Em
Goiás, o cenário não foi muito melhor. As vendas em dezembro sofreram baixas de
2,8% no varejo convencional, que já havia sofrido perdas de 0,4% e de 1,4% em
setembro e outubro, e de 1,6% no comércio ampliado (depois de queda de 3,4% em
novembro sobre outubro). Em relação a dezembro de 2019, na mesma ordem, a
pesquisa do IBGE identificou redução de 1,3% e alta de 3,0%. Detalhe nada
desprezível: as vendas no conceito mais amplo do varejo já haviam encolhido
5,5% em Goiás no mês de novembro (igualmente em relação
ao mesmo mês do ano anterior).
·
Os
números de 2020, considerando todos os 12 meses do período, foram negativos
para Goiás, até mais do que os resultados médios anotados pelo instituto quando
se consideram todos os Estados. O varejo convencional encolheu 2,1% diante de
2019, com retrocesso de 2,3% para o arejo ampliado. Na média brasileira, o
comércio varejista tradicional avançou 1,2% (depois de subir 1,8% em 2019, dois
números muito fracos). O varejo ampliado, no entanto, pressionado pelo tombo de
13,7% nas vendas de veículos, encerrou o ano com redução de 1,5%.
·
Os
números apresentados no Estado pelo segmento de hipermercados, supermercados,
incluindo os ramos de alimentos, bebida e fumo, sugerem forte retração na renda
das famílias nos últimos meses do ano passado. Comparadas aos mesmos meses de
2019, as vendas daquele setor despencaram 7,0%, 21,5% e 12,1% em outubro,
novembro e dezembro, respectivamente. No ano como um todo, a redução atingiu
3,9%. O dado negativo compara-se com elevação de 4,8% para o mesmo setor na
média do País.
·
Os
postos de combustíveis e lubrificantes continuaram a perder vendas naqueles
mesmos três meses, com baixas de 1,0% e de 6,3% em outubro e novembro e recuo
de 0,2% em dezembro. Em 12 meses, as perdas atingiram 8,4%. As vendas de
artigos de vestuário e veículos sofreram baixas de 20,6% e de 6,6% na
comparação entre 2020 e 2019. Em contrapartida, as lojas de móveis e
eletrodomésticos e de materiais de construção venderam 17,6% e 12,2% a mais.
·
Ontem,
a Câmara de Deputados aprovou o texto base do projeto que confere “autonomia”
ao Banco Central (BC). O pretexto é outorgar mais “independência” à diretoria
da autoridade monetária em relação a eventuais pressões políticas. O projeto,
no entanto, não cria instrumentos que permitam proteger o banco da influência e
pressões do mercado financeiro. Assim como não prevê sanções e controles mais
rigorosos para evitar que diretores e assessores do BC transitem dali para o
mercado e vice-versa – a tal “porta giratória” entre o BC e o setor financeiro
privado.