Descaso e arrogância agravam crise na economia e na saúde
Confira a coluna econômica, deste final de semana (27 e 28/02), por Lauro Veiga | Foto: Reprodução
Lauro Veiga
O
cenário no mercado de trabalho, que já não era promissor
em 2020, tende a ser tornar ainda mais crítico nestes primeiros meses do ano,
soterrando qualquer possibilidade de crescimento da atividade econômica neste
momento. Um conjunto de fatores já se soma à demanda ainda bastante debilitada
pela crise humanitária, a começar pelo agravamento descontrolado da pandemia,
com o País mantendo nas últimas quatro semanas médias diárias superiores a mil
mortes causadas pelo Sars-CoV-2. Acrescente-se a confirmação do caos no sistema
de saúde, antecipado por alertas de especialistas desde os últimos meses de
2020 (mas todas negligenciadas), o fechamento ainda que parcial da economia em
diversas regiões do País, o avanço muito lento da vacinação e a demora na
reinstituição do auxílio emergencial, em sua versão mitigada.
O
quadro já seria dramático mesmo sem a “contribuição” desastrosa do desgoverno
em vigor e de sua equipe econômica, que associa arrogância, estupidez, desumanidade,
objetivos mesquinhos e métodos mafiosos na (des)condução da economia – quadro
não muito diferente na área da saúde. Do alto de sua incapacidade de entender o
momento econômico e o futuro imediato, num momento em que vários especialistas
sérios já advertiam para os riscos sanitários à frente, o secretário de
Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, disse em novembro
que a probabilidade de uma segunda onda da Covid-19 era “baixíssima”. Não
satisfeito, ainda acrescentou que a imunidade coletiva já estaria próxima e,
por isso, haveria pouco risco de uma nova escalada dos casos. “Não apenas isso.
Acho que os dados que temos mostram algo concreto, que é a força da retomada
econômica” (Folha de S.Paulo, 17/11/2020).
Esse
tipo de avaliação, levada a sério por setores influentes dentro do mercado
financeiro e em certos círculos predominantes no debate econômico, alinhada ao
negacionismo em voga, impediu a tomada de decisões que poderiam, se não evitar,
pelo menos mitigar o quadro dramático agora observado em todos os Estados,
praticamente sem exceções. Às portas de março, o governo conseguiu gastar
apenas R$ 7,162 milhões dos R$ 20,0 bilhões definidos pela Medida Provisória
1.015, de 17 de dezembro passado, reservados para aquisição de vacinas, um dado
que deixa nítido o desapreço por vidas e a prática continuada de crimes de
responsabilidade.
O emprego
Durante
o segundo semestre do ano passado, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
número total de ocupados experimentou avanço de 3,4%, saindo de 83,347 milhões
de trabalhadores no trimestre encerrado em junho para 86,179 milhões no quarto
trimestre do ano passado. Foram criadas 2,832 milhões de novas ocupações. O
parece confirmar o prognóstico do secretário de Paulo Guedes. Parece mesmo?
Todas – atenção, todas – as vagas abertas foram ocupadas por trabalhadores
informais, sem registro em carteira, sem direitos, sem décimo terceiro, sem
férias, sem Previdência. O total de informais, mostra a pesquisa, saltou de
30,768 milhões para 34,029 milhões, ou seja, alta de 10,6%, representando a
entrada na informalidade de mais 3,261 milhões de trabalhadores. No mercado
formal, o número de empregados recuou 0,8% com o encerramento de 429,0 mil
vagas (que saíram de 52,579 milhões para 52,150 milhões), configurando certa
“estabilidade”.
Balanço
A
reabertura das atividades no período e a redução do auxílio emergencial,
verificada a partir de setembro, obrigaram literalmente quase 4,0 milhões de
trabalhadores a saírem às ruas em busca de algum tipo de ocupação para
assegurar sua sobrevivência e de sua família. A esse movimento desesperado o
senhor Paulo Guedes e seus economistas têm o desplante de considerar como uma
“recuperação” do emprego.
A
confirmar a degradação do mercado de trabalho, o número de trabalhadores
subocupados por insuficiência de horas trabalhadas (quer dizer, que passaram a
trabalhar um total de horas inferior ao que gostariam ou ao que teria sido
suficiente para garantir uma vida menos indigna) aumentou 21% entre junho e
dezembro, atingindo 6,790 milhões de pessoas ou 1,177 milhão a mais do que no
final do primeiro semestre. Essa categoria respondeu por quase 42 empregos em
cada 100 ocupações abertas na economia ao longo do semestre.
A
taxa de desemprego, que havia atingido 14,6% no trimestre finalizado em
setembro do ano passado, recuou para 13,9% em dezembro, mas acima dos 11,0%
registrados no trimestre final de 2019. Na média anual, o País registrou o
quinto ano consecutivo de taxa de desocupação de dois dígitos. Não apenas: 2020
anotou o índice mais elevado em toda a série, acima mesmo daquela observada na
recessão de 2015/2016. Em 2014, em seu melhor momento, o mercado de trabalho
registrava desemprego de 6,8%.
Numa
medida mais ampla, incluindo 13,925 milhões de desempregados, 5,788 milhões de
trabalhadores desalentados e mais 11,315 milhões fora do mercado, mas dispostos
a trabalhar, o desemprego alcançaria 26,5% no quarto trimestre de 2020, diante
de 20,4% no mesmo período de 2019. No terceiro trimestre do ano passado, aquela
relação havia sido maior ainda, alcançando 28,5%.
Considerando
apenas os dois últimos trimestres do ano passado, o total de ocupados avançou
4,5% (de 82,464 milhões para 86,179 milhões), o que significou a abertura de
3,715 milhões de vagas. Mas aproximadamente 65,3% daquelas ocupações novas
foram tomadas por trabalhadores sem carteira ou por conta própria sem registro
no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e ainda por empregadores sem o
CNPJ. Somadas, todas aquelas categorias passaram a responder por 42,2% do total
de ocupados, frente a 41,1% no terceiro trimestre.
Em
relação ao trimestre final de 2019, no entanto, o emprego anoutou baixa de
8,9%, com corte de 8,373 milhões de ocupações. O total de desocupados aumentou
quase 20% na mesma comparação, saindo de 11,632 milhões para 13,925 milhões (e
167,0 mil a menos do que os 14,092 milhões de desempregados no registro do
terceiro trimestre).
A
queda na massa de rendimentos efetivamente recebidos pelo total dos
trabalhadores acelerou-se no final do ano, provavelmente refletindo a queda no
valor médio do auxílio emergencial. Comparada ao trimestre final de 2019, a
massa salarial caiu 10,0% (depois de perdas de 9,3% e de 8,6% nos trimestres
finalizados, respectivamente, em outubro e novembro). Os trabalhadores deixaram
de receber R$ 23,369 bilhões, com a soma dos rendimentos do trabalho fechando o
último trimestre de 2020 em R$ 210,825 bilhões.