Entenda por que especialistas afirmam que a terceira via sofre de “nanismo”
Os partidos que não quiserem Bolsonaro ou Lula terão que sentar à mesa e até março somarem forças
O sociólogo e cientista político Antonio Lavareda é um dos mais respeitados analistas de eleições e do inconsciente do cidadão-eleitor. Sua leitura singular do comportamento da massa em seus variados estratos sociais, ajuda a compreender as contradições que a política produz em cada eleição.
Em entrevista ao Face do Poder do Hoje News, Lavareda aponta que a criação de uma terceira via no Brasil é complicada, mas não impossível, embora seja necessário a criação de mecanismos para dar visibilidade aos candidatos e as propostas. “O Brasil não tem o instituto como as primárias norte-americanas que, através de debates e votações nos estados, dão visibilidade a esses nomes dando conhecimento ao eleitorado desses nomes que manifestam suas preferências que podem crescer”, aponta.
A política brasileira está de ponta cabeça com a economia rastejando, pandemia resistente, desemprego em alta e os poderes se estranhando, qual é a saída?
Em primeiro lugar é preciso sublinhar o quanto é pertinente e cabível essa sua colocação. O Brasil tem diversas dificuldades e vivemos uma crise sanitária, mas temos essa crise econômica. Se lembrarmos hoje de uma notícia ligada ao FGV IBRE, que é centro encarregado de elaborar os índices oficiais da economia, mostra que os riscos fiscais e políticos afastam a possibilidade de euforia. Dito de outra forma, o Brasil tinha todas as condições para, assim como as outras grandes economias, entrar em uma rota de recuperação e crescimento acelerado, mas nós somos a única grande economia e nação que já entrou em processo de desaceleração por uma série de motivos.
Em 2018 mais de 42 milhões de eleitores não compareceram às urnas, deixando claro que nenhum dos candidatos os representavam. Pelas pesquisas atuais, esse contingente de eleitores maus humorados tende a aumentar. Na sua avaliação, tem como reverter essa apatia pela política?
Esse é um problema que não é específico do Brasil. Esse afastamento e alheamento em relação à política na época da escolha dos mandatários se traduz em alienação eleitoral, que é um termo técnico para as abstenções, votos em branco e nulos. Em 2018, um pouco mais de 40 milhões não votaram em nenhum dos candidatos. Em 2020, nas eleições municipais, houve um novo recorde de abstenções, sendo quase um terço dos eleitores não comparecendo para a votação ou anulando o voto. Na eleição americana, esse número chegou a 32%, praticamente o mesmo, com a diferença que nos Estados Unidos o voto é optativo. Eu digo que o brasileiro talvez tenha adotado, antes da lei, o voto facultativo.
O que fazer para reverter isso? Como obter uma reconexão do eleitor às urnas e religar o cidadão à prática do regime democrático? O primeiro passo é você melhorar o sistema eleitoral para ter partidos políticos mais fortes que se conectem às correntes de opinião pública. É óbvio que no Brasil não temos 25 correntes de opinião pública. Será necessário termos um sistema partidário mais enxuto. Só com isso esse jogo político que é fundamental, que é a essência da democracia, que é a essência das campanhas e os pleitos passam a adquirir mais sentido, mais significância e atrair mais o cidadão.
Mesmo com o esforço de narrativas do PT dizendo que Lula é inocente e ajuda da Suprema Corte, o sr. acredita que a população o elegerá no primeiro turno como apontam algumas pesquisas?
Essa questão da eleição no primeiro turno do ex-presidente Lula é algo distante de acontecer. Qualquer prognóstico hoje de eleição de Lula no primeiro turno é pouco responsável, não vai ser um prognóstico baseado em dados, vai ficar parecendo torcida em uma ou outra direção. O que posso sublinhar é que, como o bom senso indica, é muito difícil um candidato presidencial no Brasil, ainda mais com esse eleitorado de 150 milhões de eleitores distribuídos em cinco regiões heterogêneas e complexas, ganhar no primeiro turno. Tanto que dos presidentes que tivemos, apenas Fernando Henrique ganhou no primeiro turno e ganhou com 53% dos votos. Apenas no período da quarta república, que vai de 45 até a intervenção militar, de todos aquelas candidatos, dos quatro candidatos eleitos, apenas um deles poderia ter sido eleito no primeiro turno.
Eu acho temerário dizer que o presidente ganharia em apenas um turno, mas também não se pode dizer que isso é impossível uma vez que, em primeiro lugar ele apresenta uma pontuação bastante expressiva nesse momento nos cenários de primeiro turno e em segundo lugar há precedentes.
Há espaço para a terceira via?
Essa resposta tem que ser objetiva e direta. É possível, mas não é fácil. É possível pois há uma grande distância de tempo e há um contingente razoável de eleitores que não gostariam de votar em Lula ou Bolsonaro. O problema é que o Brasil não conta com mecanismos institucionais que favoreçam o desenvolvimento de candidaturas presidenciais dentro de campos políticos específicos.
O Brasil não tem o instituto como as primárias norte-americanas que, através de debates e votações nos estados, dão visibilidade a esses nomes dando conhecimento ao eleitorado desses nomes que manifestam suas preferências que podem crescer. Na última primária republicana, quando Trump foi escolhido, os republicanos tinham 17 candidatos, e Trump acabou dominando. Nessa última eleição, desde o ano anterior, os democratas tiveram 23 candidatos efetivos disputando a primária democrata, e isso enseja o surgimento de candidatos.
O espaço da chamada terceira via fica muito fragmentado e todos os candidatos ficam praticamente condenados a situação de nanismo, todos são anões eleitorais pois esse campo se fragmenta. Será possível construir uma terceira via com grande esforço de coordenação. Os partidos que não quiserem Bolsonaro ou Lula terão que sentar à mesa e até março somarem forças estabelecendo critérios e tentar fazer com que essa quantidade dispersa de eleitores que não se inclinam para essas duas figuras se encontrem em um ou dois candidatos.
Na sua avaliação o eleitor brasileiro vota com o estômago ou em pessoas?
Ele vota com o estômago, ele vota em pessoas, ele vota com a razão e com o coração. São múltiplos os fatores que nos fazem entender o comportamento eleitoral. Frequentemente há muitas explicações razoavelmente simplificadoras desse processo, mas as diversas teorias do comportamento eleitoral, desenvolvido no âmbito da ciência, sociologia e psicologia política, todas elas nos apontam que é um processo complexo. Os próprios eleitores, nós não sabemos porque ao fim ao cabo votamos em A e não votamos em B, escolhemos C e não escolhemos D. É um processo rico que tem haver com uma cadeia de fatores complexa que é difícil fazer uma redução. Quer a razão, quer a emoção ou as necessidades básicas ou fisiológicas do cidadão.
Depois da Operação Lava Jato, o marketing foi demonizado, mas Ciro Gomes tenta resgatar o profissionalismo nas estratégias para conquistar mentes e corações. O sr. acredita que terá êxito como na eleição polarizada entre Dilma Rousseff e Aécio Neves?
Quem ganha as eleições são os candidatos e suas circunstâncias. O marketing ajuda a dar inteligibilidade, sobretudo quando elas são pouco conhecidas. Por exemplo, se um candidato é desconhecido, o marketing é mais importante do que para outros já conhecidos. O significado deles já está bem inserido na mente dos eleitores. O marketing ajuda a lançar o produto, que é o candidato ou às ideias. No Brasil, o marketing político se tornou importante pois com tantos partidos e candidatos fica mais difícil para o eleitor interpretar os significados de cada uma das propostas e dos candidatos. O marketing tem uma importância e um significado, mas ele é mais valioso para aqueles menos conhecidos. O que ganhará as eleições em 2022 será a adequação do significado do candidato e das suas propostas às circunstâncias que o Brasil esteja enfrentando. Uma eleição é a forma que a população tem de apontar os caminhos que a sociedade quer percorrer adiante.