Inflação brasileira deve fechar o ano em nível superior à 83% dos países
Segundo economistas, a alta pode ser explicada por conta da desvalorização do real e às incertezas fiscais e políticas.
Apesar de a inflação ser um problema global, ela se apresenta diferente ao redor do mundo. Um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) aponta que, no Brasil, a inflação deve encerrar em nível superior à 83% dos países. Os dados do estudo do Ibre foram colhidos no último relatório elaborado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o “World Economic Outlook” e foi divulgado na semana passada, alertando ainda para uma alta geral de preços.
No início de outubro de 2021, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a inflação é um fenômeno global, ressaltando que o Brasil está em um padrão. “Países que tinham zero [de inflação], agora estão em 4%, 5%. Países que tinham 4%, 5%, agora estão em 8%, 9%. Isso acontece, mas tem de haver resposta política”, afirmou.
Entretanto, os dados mostram que a inflação brasileira supera bastante o visto em grande parte do mundo. De acordo com Bruno Serra, diretor do Banco Central (BC), o nível inflacionário no Brasil está em “nível muito elevado”.
A estimativa do FMI é que a inflação no país encerre o ano em 7,9%, no acumulado de 12 meses até setembro, em que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,25%. Se confirmada a estimativa, o Brasil vai registrar uma inflação muito superior da apurada entre países emergentes, que apresentam 5,8%, e da média mundial, representando 4,8%.
O FMI atualiza as projeções de diversos indicadores macroeconômicos como inflação, Produto Interno Bruto (PIB) e investimento, anualmente nos meses de abril e outubro. Para as estimativas é analisado um grupo de quase 200 países.
No relatório de outubro de 2020, por exemplo, a previsão econômica era de inflação superior à de 57% dos países. Já no relatório de abril, o patamar subiu para 70% e em outubro de 2021, está em 83%. Dessa forma, fica evidente a piora intensa de inflação no Brasil se comparado ao restante do mundo.
Segundo André Braz, pesquisador do Ibre, o agravamento da situação brasileira se deve à moeda, que segue desvalorizando “mais do que a média das outras divisas”. No relatório da Focus, divulgado semanalmente pelo BC, os analistas consultados estimam, para 2021, um IPCA de 8,69%. Com isso, a alta de preços no país supera a de 86% das nações.
Após superar a fase mais aguda da pandemia e com a retomada econômica, a cotação das commodities subiu e se somou ao desarranjo nas cadeias de produção. A interrupção provocou uma escassez de produtos pressionando, consequentemente, os custos em todo o mundo.
De acordo com Braz, o mundo está se recuperando rapidamente devido aos estímulos fiscais que aquecem a atividade. “O mundo está se recuperando mais rapidamente por causa dos estímulos fiscais adotados pelas grandes economias. São investimentos importantes para aquecer a atividade. Mas o efeito colateral desse aquecimento rápido é uma busca muito grande por recursos de commodities, como petróleo e carvão”.
Desde 2020, a inflação brasileira passou a ser pressionada por alta de preços de alimentos, resultado da valorização das commodities. Em tese, essa alta deveria valorizar o real em relação ao dólar, combatendo assim a inflação, uma vez que o Brasil é um grande exportador de produtos básicos. Então, a entrada de dólares no país deveria fortalecer a moeda brasileira. Entretanto, o cenário visto é outro, em que o real segue desvalorizado devido às incertezas nas áreas fiscal e política.
O CEO da Mauá Capital e ex-diretor do BC, Luiz Fernando Figueiredo, confirma que as incertezas são grande risco para os investidores. “A causa para a taxa de câmbio apreciar em vez de depreciar foi provocada pela crise institucional e por um certo flerte com a irresponsabilidade fiscal. Essas duas incertezas geraram uma percepção de risco dos investidores sobre o Brasil mais alta, e a taxa de câmbio depreciou”.
Além disso, o Brasil lida com alta de preços em combustíveis e energia elétrica. Em agosto, o governo juntamente com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou a criação da “escassez hídrica”, bandeira tarifária mais cara desde a criação do sistema de bandeiras. O objetivo é compensar o custo do uso das termelétricas na geração de energia, devido à ausência de chuvas, fator que reduz o potencial das hidrelétricas.
Dessa forma, o BC tem sido obrigado a subir a taxa básica de juros, o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para conter a escalada dos preços. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a Selic subiu 1%, alcançando 6,25% e, conforme analistas, mais aumentos devem atingir a taxa. A previsão do relatório Focus é que os juros encerrem o ano a 8,25%.
“À medida que a gente tem que forçar o aumento de juros para conter ao máximo o espalhamento das pressões inflacionárias – ainda que não sejam por demanda, mas por fatores de custos de produção, energia e petróleo -, isso gera um desafio para o ano que vem. O efeito colateral desse aumento de juros é exatamente ter um crescimento econômico menor. Você está convencendo os agentes econômicos a adiar o investimento, que é fundamental para ter geração de emprego. E está tentando convencer as famílias a não comprar carro, apartamento, a não viajar”, diz Braz.