Idealizada por esquerda e direita, moeda única latino-americana ainda é sonho distante; entenda
A proposta é um modelo semelhante ao euro, como uma forma de aumentar a integração regional, fortalecer a independência monetária.
Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendem a implementação de uma moeda única para os países latino-americanos. No entanto, para especialistas entrevistados pelo Jornal O Hoje, a proposta é inviável.
No final de abril, o pré-candidato do PT à Presidência afirmou que a moeda ajudaria a ampliar a relação entre os países da região. Em 2008, o político já havia falado também sobre o tema para a criação da moeda que reduziria a dependência do dólar. “Vamos voltar a restabelecer nossa relação com a América Latina. E, se Deus quiser, vamos criar uma moeda na América Latina, porque não tem esse negócio de ficar dependendo do dólar”.
Para o economista Gabriel Galípolo, ex-presidente do banco Fator e colaborador de Lula na área econômica, e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que é pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, apontaram que a moeda única (que se chamaria SUR), seria um modelo semelhante ao euro, como uma forma de aumentar a integração regional, fortalecer a independência monetária. A moeda teria uma taxa de câmbio flutuante com as moedas nacionais e seria emitida por um “Banco Central Sul-Americano”. Para eles, a SUR poderia ser usada “tanto para fluxos comerciais quanto financeiros entre países da região”.
No começo de maio, o presidente Jair Bolsonaro (PL) compartilhou uma matéria sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, durante uma visita à Argentina. Na ocasião, em 2019, Bolsonaro disse que Guedes teria dado “um primeiro passo para um sonho de uma moeda única na região do Mercosul”, que se chamaria Peso Real, tendo como exemplo o euro. Na mesma visita, Guedes afirmou que a ideia era defendida pelos argentinos, que estariam “animadíssimos”. “Nós estamos pensando, conversando e conjecturando”.
O tema não avançou e o ministro voltaria a falar sobre o assunto apenas em agosto de 2021, quando disse que uma moeda única para o Mercosul possibilitaria uma integração maior e uma área de livre comércio, e criaria uma divisa que poderia ser uma das “cinco ou seis moedas relevantes no mundo”.
Até o momento, nenhum dos pré-candidatos trouxe detalhes sobre um possível projeto ou estudos que tratem da viabilidade ou vantagens da proposta para o Brasil e para o bloco econômico do Mercosul ou para a própria América Latina.
Custo de transição
Tudo tem a ver com o custo de transição do dólar, explica o economista Luiz Carlos Ongaratto. Para ele, a defesa de uma implementação da moeda única é uma ideia para marcar uma posição e uma alternativa em relação a moeda americana.
“Atualmente, temos economias polarizadas e um custo nas transações do real para o dólar. Para isso é preciso do Banco Central para indexar essa moeda e automaticamente transformar esse dólar em outra moeda para pagar um fornecedor. Toda vez que o dólar oscila, esses contratos em dólar oscilam, gerando assim custos para a economia como um todo.
O economista analisa que a criação dessa moeda pode ser viável apenas quando houver cooperação entre os países, maior aproximação econômica e integração. “Temos hoje um Brasil afastado politicamente de um dos seus principais parceiros econômicos que é a Argentina. Os dois são os principais países da América do Sul. Sem um alinhamento entre eles é inviável pensar em qualquer avanço deste tipo na região”.
“Estão sonhando”, diz economista
O economista Júlio Paschoal afirmou que “para se alcançar uma moeda única é preciso que os países tenham uma economia forte, o que não é o caso”. Segundo ele, praticamente todos os países latino-americanos estão em crise e são tomadores de capital e não emprestadores.
Paschoal aponta que para chegar nesse patamar, os países necessitam de vencer algumas etapas como: Zona de Livre Comércio; União Aduaneira; Mercado Comum e União Econômica. Para ele, o Mercosul, que existe desde os anos 1990, “não consolidou a segunda fase que é União Aduaneira”, e conclui que “Paulo Guedes e Lula estão sonhando”, pois, “o Brasil precisa resolver problemas pontuais: inflação, desemprego, burocracia, carga tributária elevada, fatos que dificultam a retomada do crescimento econômico para fins desenvolvimento.”
Como funciona o euro
O euro é o principal exemplo ao pensar em moeda única. Ela entrou em vigor em 1º de janeiro de 1999 e atualmente serve como moeda oficial dos 19 países da zona do euro, todos eles membros da União Europeia, como é o caso da Alemanha, França, Portugal e Espanha.
Nem todos os membros do bloco aderiram ao euro, como o Reino Unido que já havia optado por manter o uso da libra antes de entrar na UE, que é o caso também da Dinamarca. Outros países membros, como a Bulgária e a Croácia, não atingiram ainda as condições econômicas demandadas para integrar a zona do euro e, por isso, não podem adotar a moeda.
A emissão do euro é controlada pelo Banco Central Europeu (BCE), que fica responsável pela política monetária de todos esses países. Segundo a autarquia, a principal vantagem do euro é tornar mais simples “trabalhar, negociar, viajar, estudar e viver no estrangeiro”, aumentando a integração econômica entre os países.
A moeda única “facilita as trocas comerciais entre empresas de países diferentes, melhora o desempenho econômico e possibilita uma maior escolha e mais oportunidades aos consumidores”, afirma o BCE.