Câmara quer ressocializar trabalhadoras domésticas resgatadas de escravidão
O projeto prevê que todas as vítimas resgatadas terão as proteções garantidas pela Lei Maria da Penha
“As vítimas do trabalho doméstico em condições análogas à escravidão apresentam um perfil de vulnerabilidade significativo”, destacou a deputada Carla Ayres (PT-SC) ao defender o Projeto de Lei 3351/24. A proposta, em análise na Câmara dos Deputados, estabelece diretrizes para o atendimento e ressocialização de trabalhadoras domésticas resgatadas de condições de escravidão ou tráfico de pessoas, com prioridade para a responsabilização administrativa e penal dos envolvidos.
A deputada apontou que a maioria das vítimas são mulheres negras que, em muitos casos, trabalham por anos para o mesmo “dono”. A situação frequentemente começa na infância, quando as meninas são apresentadas como “quase da família”, justificando a ausência de formalização trabalhista. “Muitas vezes, essas mulheres são pessoas com deficiência, o que agrava ainda mais a exploração”, enfatizou Carla.
O projeto prevê que todas as vítimas resgatadas terão as proteções garantidas pela Lei Maria da Penha, o Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto da Pessoa Idosa e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. A proposta também aborda casos em que os suspeitos tentam usar medidas judiciais, como adoção ou reconhecimento de paternidade socioafetiva, para atrapalhar os processos. Essas ações deverão ser suspensas até a conclusão dos casos na Justiça.
No caso de dívidas trabalhistas, a proposta determina que o bem de família do devedor pode ser penhorado para garantir o pagamento dos créditos trabalhistas e previdenciários devidos aos trabalhadores resgatados.
Entre as diretrizes que orientam o atendimento às vítimas, o projeto destaca a preservação da dignidade, saúde integral e reconexão familiar, além da justiça reparatória e responsabilização dos ofensores. O texto também dá especial atenção à perspectiva de gênero e raça.
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O processo de ressocialização garantirá que as vítimas não sejam submetidas novamente à escravidão ou a qualquer violência, seja racial, de gênero ou capacitista. Também será assegurado o direito à informação sobre a exploração sofrida e o respeito às vontades das pessoas com deficiência.
Caso o projeto seja aprovado, a lei receberá o nome de Sônia Maria de Jesus, em homenagem à mulher negra e surda que foi resgatada de condições análogas à escravidão na casa de um desembargador em Santa Catarina. Sônia havia sido separada da família aos 9 anos e trabalhava sem remuneração há décadas, até ser resgatada em 2023, aos 49 anos.
A tramitação do projeto será feita em caráter conclusivo, passando pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher, das Pessoas com Deficiência, de Trabalho, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para ser sancionado, ele precisará ser aprovado tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado.
A deputada Carla Ayres lamenta que casos como o de Sônia ainda sejam naturalizados pela sociedade, reforçando a necessidade de mudanças estruturais e legais.