Meta abandona checagem de fatos e quer redefinir liberdade nas redes
O Hoje conversou com um cientista político que analisou os impactos das mudanças anunciadas pela Meta
A Meta, que controla as redes sociais Facebook, Instagram e WhatsApp, anunciou, nesta terça-feira (7), mudanças em sua política de moderação de conteúdo, especialmente no que diz respeito à checagem de fatos. A partir de 2025, a gigante da tecnologia substituirá o sistema de checagem de fatos realizado por terceiros por um sistema de “notas da comunidade”. A mudança afetará inicialmente os Estados Unidos, com a possibilidade de ser estendida para outros países, incluindo o Brasil.
Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou a mudança em um vídeo nas redes sociais, explicando que o objetivo é reduzir erros nas plataformas e restaurar a liberdade de expressão. A ideia central é que, em vez de agências profissionais de checagem de fatos, os próprios usuários terão a responsabilidade de verificar e comentar sobre postagens, oferecendo explicações, links e imagens, que podem ser votadas pela comunidade.
O movimento, segundo Zuckerberg, visa simplificar as políticas de moderação e evitar a censura excessiva, além de tornar a moderação de conteúdo mais transparente e menos propensa a erros. De acordo com o CEO da Meta, embora os sistemas anteriores de moderação tenham sido criados de boa fé, eles resultaram em erros significativos que afetaram milhões de pessoas.
“Criamos vários sistemas complexos de moderação, mas o problema é que eles cometem erros. Mesmo se eles acidentalmente censurarem apenas 1% das publicações, isso significa milhões de pessoas”, afirmou Zuckerberg. Ele também mencionou que o foco da moderação será em tópicos como terrorismo, drogas, golpes e exploração sexual, com uma abordagem mais leve em relação a temas como imigração e gênero, que costumam ser mais controversos.
A mudança reflete um movimento crescente dentro das grandes empresas de tecnologia, que buscam simplificar as políticas de moderação de conteúdo. Entretanto, as implicações políticas dessas alterações são complexas. No Brasil, como em outros países, a nova abordagem da Meta poderá impactar a forma como as informações políticas e sociais circulam nas redes sociais, com consequências tanto para a opinião pública quanto para os atores políticos.
O cientista político Lehninger Mota, em entrevista ao O Hoje, analisou o impacto dessas mudanças e alertou para os riscos envolvidos. Ele ressaltou que o debate vai muito além das questões ideológicas de esquerda e direita, destacando que estamos lidando com um fenômeno mais profundo: a definição de limites para a liberdade de expressão nas plataformas digitais. “Temos uma discussão muito séria em torno do que é opinião, do que é liberdade de expressão, e do que se caracteriza como fake news. O sistema anterior de checagem de fatos, que era feito por agências especializadas, visava impedir a disseminação de informações falsas ou que tinham o objetivo de enganar. Agora, com o novo sistema, a responsabilidade fica nas mãos dos usuários”, comentou Mota.
Usuário decide o que é verdade
Ele também observou que, ao adotar um sistema de “notas da comunidade”, a Meta está se alinhando com a ideia de que as pessoas comuns podem decidir o que é ou não verdade. “É um sistema que, de certa forma, coloca a responsabilidade nas mãos da população. O que temos hoje são diferentes grupos ideológicos brigando pela hegemonia da verdade, e esse tipo de mudança pode exacerbar essa divisão”, afirmou Mota.
Além disso, o cientista político destacou que as big techs, como a Meta, estão cada vez mais se posicionando contra regulações externas, preferindo adotar o modelo legal dos Estados Unidos. “Zuckerberg tem demonstrado uma postura de desafiar as regulamentações de outros países, especialmente as da Europa, que têm sido mais rigorosas com as plataformas digitais. Isso levanta uma questão importante sobre até que ponto as grandes empresas de tecnologia devem ou não se submeter às leis de outras nações”, afirmou Mota.
Essa postura de desafiamento às leis externas e a tentativa de estabelecer um padrão de regulação próprio também têm implicações políticas globais. A Meta, em seu anúncio, declarou que pretende resistir a regulamentos de censura impostos por governos de outros países. Em um momento atípico, Zuckerberg até se pronunciou sobre a necessidade de as empresas americanas enfrentarem governos estrangeiros que, em sua visão, buscam atacar as empresas de tecnologia do país.
Brasil
No Brasil, as mudanças também poderão impactar a dinâmica política, especialmente durante o período eleitoral. Com o novo sistema, partidos e candidatos terão maior controle sobre a narrativa das informações, o que pode levar a um aumento da polarização política. A possibilidade de manipulação de informações, com a justificativa de “liberdade de expressão”, é um risco que, segundo Mota, não pode ser ignorado. “Não podemos permitir que a disseminação de notícias falsas seja tratada como algo legítimo sob o pretexto de liberdade de expressão. O Brasil já enfrentou sérios problemas com fake news nas eleições passadas, e as mudanças anunciadas pela Meta podem agravar ainda mais essa situação”, afirmou.
Em um cenário onde as plataformas digitais têm cada vez mais influência sobre as opiniões públicas, a Meta se coloca no centro de um debate sobre como regular o conteúdo nas redes sociais e garantir que a verdade prevaleça. Com a adoção do novo sistema de “notas da comunidade”, a Meta coloca o poder nas mãos dos usuários, mas sem garantir que a verdade será necessariamente a vencedora em um ambiente cada vez mais polarizado.