Goiás registra quase 800 estupros de crianças em 4 meses
Dados da Secretaria de Segurança Pública revelam que 793 menores de idade foram vítimas entre janeiro e abril de 2025
Entre janeiro e abril de 2025, Goiás registrou 793 casos de estupro de vulnerável contra crianças e adolescentes, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO). A mesma base aponta ainda 458 notificações de maus-tratos e 162 de importunação sexual contra menores de idade nesse mesmo período. Os dados são alarmantes e evidenciam a urgência de ações efetivas para prevenção, acolhimento e responsabilização dos agressores.
O cenário estadual reflete uma tendência nacional. Conforme o Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada hora cerca de 13 meninas são estupradas no Brasil. Mais grave ainda: aproximadamente 80% dos crimes acontecem dentro de casa, cometidos por familiares ou pessoas próximas. A maioria absoluta das vítimas é do sexo feminino e está em fase de infância ou adolescência.
O levantamento revela um retrato sombrio de violações contínuas contra os direitos das crianças. Em 2023, mais de 83 mil casos de estupro foram registrados pela Polícia Civil em todo o país, um crescimento de 91,5% em relação a 2011. Desses, 76% foram classificados como estupro de vulnerável, o que significa que a vítima era incapaz de consentir, seja por idade ou condição mental.
Para a juíza Célia Regina Lara, coordenadora da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), a maioria desses crimes ocorre dentro do ambiente doméstico, onde as vítimas deveriam estar protegidas. “O agressor geralmente é alguém do convívio da criança, e isso reforça a necessidade de uma atuação integrada entre Justiça, escolas, profissionais da saúde, segurança pública e sociedade civil para romper o silêncio e garantir o acolhimento adequado às vítimas”, afirmou.
Dentro do sistema judiciário goiano, medidas como a escuta especializada e o depoimento especial, previstos na Lei nº 13.431/2017 têm sido fundamentais para evitar a revitimização das crianças durante o processo. O TJGO também produziu materiais educativos, como os gibis “Chega pra lá!” e “Depoimento Especial”, voltados à orientação e prevenção. “O Maio Laranja é um chamado à responsabilidade coletiva. O silêncio não pode proteger o agressor. A proteção das crianças e adolescentes é dever de todos nós”, reforçou a magistrada.
O silêncio que fere
A goiana Kariny Bianca, sobrevivente de abuso sexual na infância, compartilhou seu testemunho como parte da campanha de conscientização. “Os meus sinais foram tão imperceptíveis… Eu me retraí, me curvava, usava roupas largas para esconder meu corpo”, contou. Ela defende que a escuta e a atenção aos sinais são fundamentais. “Eu tinha medo da reação da minha mãe, então guardei o segredo por muito tempo. É preciso acolher, ouvir e jamais duvidar da vítima”, disse.
A deputada federal Flávia Morais (PDT-GO), também alertou para o silêncio que cerca esses casos. “É uma situação grave, recorrente e muitas vezes escondida. Precisamos observar os sinais, combater com esclarecimento e proteger nossas crianças dentro e fora do lar”, afirmou em entrevista.
Como e onde denunciar
Denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo Disque 100, canal gratuito que funciona 24 horas por dia. Também é possível procurar o Conselho Tutelar, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) ou o Ministério Público. As autoridades destacam que romper o silêncio é o primeiro passo para salvar vidas e evitar traumas duradouros.
Segundo o Instituto Liberta, mais de 500 mil crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual a cada ano no Brasil, mas apenas 7,5% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades. O medo, a vergonha e a ausência de apoio continuam sendo barreiras para a denúncia. Por isso, campanhas como o Maio Laranja são essenciais para promover informação, sensibilização e ação.
Com aumento de casos, TJ-GO intensifica campanhas de conscientização
O Maio Laranja é uma mobilização nacional de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Criado em referência ao dia 18 de maio, instituído pela Lei Federal nº 9.970/2000 como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil, a campanha tem como objetivo sensibilizar a população sobre a gravidade dessas violações e orientar sobre prevenção e canais de denúncia.
A campanha foi oficializada em 2022 pela Lei nº 14.432 e remete ao caso Araceli, um dos crimes mais brutais da história brasileira, ocorrido em 1973, quando uma menina de apenas 8 anos foi sequestrada, drogada, estuprada e assassinada. O crime permanece impune até hoje, mas se tornou símbolo da luta por justiça e proteção à infância.
“O Maio Laranja busca trazer o assunto de maneira cuidadosa, permitindo que a população compreenda a dimensão do problema. É uma forma de fomentar políticas públicas e debates que assegurem um enfrentamento efetivo dessa violência”, explicou a juíza Célia Regina Lara.
Outro foco da campanha é a conscientização das próprias crianças, para que compreendam os riscos, aprendam a se proteger e saibam identificar situações abusivas. Iniciativas como o projeto “Eu Me Protejo”, idealizado pela jornalista Patrícia Almeida e pela psicóloga Neusa Maria, têm sido fundamentais nesse sentido, com materiais lúdicos e pedagógicos voltados ao público infantil.
“As crianças precisam saber que o corpo é delas, que ninguém pode tocar e que, se algo acontecer, a culpa nunca será delas. A prevenção tem que começar desde cedo, inclusive nas escolas”, defende Patrícia. Ela ressalta que a maioria dos casos ocorre dentro de casa, o que torna a atuação das instituições escolares ainda mais estratégica.
Para a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), autora do projeto de lei que criou o Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais, a prevenção é o único caminho possível. “Precisamos impedir que esses crimes aconteçam. O cadastro é uma forma de proteger nossas crianças e garantir que reincidentes sejam monitorados com mais rigor”, afirmou.
O TJ de Goiás reforça que qualquer pessoa pode denunciar situações suspeitas, mesmo sem provas concretas. “É preferível uma denúncia infundada a uma omissão que pode custar a integridade ou até a vida de uma criança”, concluiu a magistrada Célia Lara.
Com mais de 6 mil denúncias já registradas apenas até maio deste ano no Disque 100, o número de casos segue em alta. O crescimento constante, ano após ano, evidencia tanto a gravidade quanto a subnotificação histórica desses crimes. Só em 2020, foram 6.380 denúncias; em 2024, o número saltou para 18.826. Em 2025, até maio, já são mais de 6 mil.
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