Jornada dupla ainda recai sobre as mulheres nos relacionamentos
Mesmo com empregos formais e contribuições financeiras equivalentes, brasileiras continuam assumindo três vezes mais tarefas domésticas que seus parceiros, segundo dados do IBGE e do Ipea
Num país em que mais de 52% das mulheres em idade ativa estão empregadas, a divisão do trabalho dentro de casa ainda reflete padrões do século passado. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e cuidados de pessoas, contra 11 horas dos homens. Mesmo quando ocupam jornadas completas fora do lar, elas continuam sendo as principais responsáveis pelo funcionamento da casa e pela atenção a filhos, pais idosos ou parentes doentes.
Essa discrepância não é apenas estatística. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 66% dos homens brasileiros afirmam “ajudar” em casa, enquanto apenas 17% se dizem corresponsáveis pelas atividades domésticas. O vocabulário usado nas respostas reforça a ideia de que o cuidado é um favor e não uma obrigação compartilhada. A pesquisa ainda aponta que, em casais heterossexuais com filhos pequenos, a carga de trabalho não remunerado é quatro vezes maior para as mães.
O fenômeno, conhecido como jornada dupla ou tripla, afeta diretamente a saúde física e mental das mulheres. Estudo da Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Ministério da Saúde revela que mulheres que acumulam trabalho formal e responsabilidades domésticas têm maior incidência de ansiedade, distúrbios do sono e sintomas depressivos. A sobrecarga constante também impacta o desejo sexual, o tempo de lazer e a qualidade do vínculo afetivo com o parceiro.
Apesar de o tema ter ganhado espaço em campanhas e debates sobre equidade de gênero, as mudanças práticas ainda são lentas. Em 2023, a ONU Mulheres apontou o Brasil como um dos países da América Latina com maior desequilíbrio na divisão do trabalho doméstico, atrás apenas de Honduras e Guatemala. A entidade alerta que essa desigualdade compromete a autonomia econômica e emocional das mulheres e perpetua ciclos de dependência afetiva e financeira.
Entre os casais mais jovens e urbanos, as expectativas de equidade são maiores, mas os dados mostram que a prática nem sempre acompanha o discurso. Uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva revela que, entre pessoas de 25 a 35 anos, 76% das mulheres sentem que a responsabilidade da casa ainda é majoritariamente delas, mesmo quando o companheiro se diz progressista. A diferença costuma se acentuar após o nascimento do primeiro filho, momento em que muitas mulheres reduzem ou interrompem a carreira, enquanto os homens mantêm sua trajetória profissional inalterada.
Especialistas em psicologia e relações de gênero defendem que a chave para a mudança está na educação emocional dos meninos desde a infância, na valorização do trabalho reprodutivo — aquele que não gera renda, mas mantém a vida — e na construção de pactos mais claros entre os casais. O cuidado, dizem, não é instintivo nem natural. É uma prática aprendida, dividida, negociada e sustentada diariamente.
Amar em 2025 exige mais do que flores no Dia dos Namorados. Exige empatia, presença ativa e responsabilidade compartilhada. Enquanto a balança do afeto continuar pendendo para um só lado, o romance corre o risco de se tornar mais um fator de exaustão. O desafio dos casais contemporâneos não é apenas manter o amor vivo, mas garantir que ele não pese desigualmente sobre os ombros de quem mais cuida.