O Hoje, O Melhor Conteúdo Online e Impresso, Notícias, Goiânia, Goiás Brasil e do Mundo - Skip to main content

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Impacto

Tarifaço dos EUA reduz competitividade do baru e amplia vulnerabilidade de famílias extrativistas

Taxação de até 50% afeta produtos nativos, ameaça anos de avanço socioambiental

Letícia Leitepor Letícia Leite em 19 de agosto de 2025
4 abre Liliane Farias ABr
No Cerrado, a castanha de baru, símbolo local e responsável por sustentar dezenas de comunidades, já sente os efeitos da medida. Foto: Liliane Farias/ABr

A decisão do governo dos Estados Unidos (EUA) de implementar uma nova rodada de tarifas sobre importações, conhecida como “tarifaço”, tem gerado forte apreensão entre organizações da agricultura familiar e especialistas em comércio exterior. Em vigor desde o início de agosto, a medida prevê taxações que chegam a 50% para diferentes produtos brasileiros, entre eles itens oriundos da sociobiodiversidade, como o baru e a castanha-do-Brasil. 

O impacto vai muito além dos números da balança comercial: ameaça a renda de milhares de famílias agroextrativistas que dependem diretamente da exportação desses alimentos, reconhecidos por seu valor ambiental e social.

No Cerrado, a castanha de baru, símbolo local e responsável por sustentar dezenas de comunidades, já sente os efeitos da medida. Segundo uma cooperativa agrícola goiana, que reúne mais de 7 mil famílias em seis estados, estima-se uma queda de 50% nas exportações para os EUA em 2025. 

Em 2024, foram embarcadas 32 toneladas do fruto; neste ano, apenas 16. “A perda pode chegar a R$ 7 milhões, considerando o impacto imediato e as projeções futuras”, afirma Alessandra Silva, gerente comercial da cooperativa.

A castanha-do-Brasil, que recebeu taxação menor, de 10%, só é beneficiada quando exportada com casca, condição inviável do ponto de vista comercial devido à complexidade logística. O baru, por não possuir um código NCM específico, ficou de fora de qualquer isenção, situação que evidencia a invisibilidade desses produtos nas políticas de comércio exterior brasileiras. A ausência de classificação própria dificulta o monitoramento e a inclusão nas negociações internacionais.

Além do evidente prejuízo financeiro, especialistas alertam para o risco de ruptura das cadeias produtivas locais. Isso porque a comercialização dos frutos mobiliza redes coletivas de produção, processamento e distribuição que geram postos de trabalho, evitam o êxodo rural e fortalecem a conservação ambiental. Quando as exportações são afetadas, toda essa estrutura fica comprometida. 

Para ajudar o setor, o governo brasileiro anunciou o Plano Brasil Soberano, que prevê crédito prioritário, adiamento de impostos e ampliação das compras públicas. O Ministério do Desenvolvimento Agrário também promete ações específicas para cooperativas exportadoras como apoio à formação de estoques e ampliação do acesso ao mercado interno. Embora elogiadas por parte dos produtores, as medidas ainda são vistas como paliativas diante da mudança estrutural imposta pelo tarifaço. 

Segundo Arnoldo Campos, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o momento exige uma articulação mais ampla entre governos, parlamentares e cooperativas para “garantir que os recursos cheguem às cadeias mais prejudicadas”.

Na tentativa de driblar a dependência do mercado norte-americano, a cooperativa começou a buscar novos destinos para o baru. Em julho, o grupo conseguiu autorização para vender o produto na Europa, e negociações já estão avançadas com países da União Europeia, do Reino Unido e da Ásia. No entanto, a diversificação exige novos investimentos em logística, certificações e adequações técnicas.

O tarifaço também provoca um reordenamento dos fluxos comerciais internacionais que ameaça a agricultura familiar como um todo. A taxação torna os produtos brasileiros menos competitivos, abre espaço para fornecedores de outros países e aumenta os custos de produção e transporte. 

Isso leva a uma maior concorrência com o agronegócio, que dispõe de maior escala e infraestrutura para absorver os impactos. Em um cenário de instabilidade externa, pequenos e médios produtores tendem a ser marginalizados, sem condições de manter contratos internacionais ou de disputar mercados internos dominados por grandes empresas.

Para os especialistas, a crise atual escancara a necessidade de uma política comercial brasileira mais alinhada à realidade das cadeias da sociobiodiversidade. “Precisamos garantir que os produtos da sociobiodiversidade sejam valorizados como parte de um modelo de desenvolvimento justo, comunitário e sustentável”, conclui Alessandra.

Enquanto aguardam um cenário mais previsível, milhares de famílias agroextrativistas continuam coletando frutos, beneficiando castanhas e resistindo à mudança repentina das regras do jogo internacional.

Siga o Canal do Jornal O Hoje e receba as principais notícias do dia direto no seu WhatsApp! Canal do Jornal O Hoje.
Tags:
Veja também