Compras por impulso se tornam desafio emocional e financeiro dos brasileiros
Pesquisa aponta que 46% dos consumidores compram para aliviar sentimentos negativos
Ir às compras depois de um dia ruim tem sido o caminho de muitos brasileiros para aliviar o estresse. Segundo pesquisa da Serasa em parceria com o Instituto Opinion Box, 46% dos consumidores já compraram por impulso para se sentir melhor emocionalmente. Mais da metade (54%) afirma que acumulou dívidas ligadas a problemas emocionais, mostrando que a saúde mental e a saúde financeira estão intimamente conectadas.
Para a auxiliar administrativa Maria Eduarda, 34 anos, de Goiânia, esse hábito se tornou um problema. “Eu tinha um dia estressante no trabalho e acabava entrando em aplicativos de compra. Gastava com roupas, maquiagens ou qualquer promoção que aparecia. No momento parecia um prêmio para mim, mas depois vinha o peso da fatura do cartão”, relata. Hoje, ela soma mais de R$ 7 mil em dívidas no cartão de crédito e admite que precisou procurar ajuda psicológica.
De acordo com o economista Luiz Carlos Ongaratto, o endividamento em si não é negativo, pois está ligado à expectativa de que a pessoa terá condições de pagar. O problema surge quando esse processo foge do controle.
“O endividamento se dá de maneira geral com base na expectativa em relação ao futuro, ou seja, você espera fazer uma conta hoje para pagar amanhã. O problema é a partir daí, você se endividar, de uma maneira extrema que prejudique ali o seu orçamento familiar e deixar de pagar contas”, explica.
A pesquisa revela ainda que 43% dos brasileiros já estão com o nome negativado, 37% enfrentam atrasos de contas e 34% têm dificuldades em obter crédito. Essa fragilidade emocional e financeira cria um ciclo de inadimplência difícil de romper.
Ongaratto destaca que a facilidade de acesso ao crédito, principalmente por cartões e aplicativos de compra, alimenta esse comportamento impulsivo. Ele explica que depois de uma semana ruim, a pessoa encontra na compra um alívio emocional imediato. Só que quando não consegue pagar, acaba perdendo crédito. A partir daí, muitos recorrem a alternativas fora do sistema bancário, ficando vulneráveis a golpes e em risco ainda maior”, observa.
A consequência não atinge apenas os consumidores. Segundo o economista, o comércio também sente o impacto: “Se a gente tem uma população que já não consegue mais se endividar, não consegue acessar crédito e está negativada, aí por consequência, ela vai consumir menos. E isso pode, sim, gerar tanto maiores custos por inadimplência no mercado, para as empresas, mas também esfriar o consumo como um todo”, analisa.
O quadro é tão grave que, para Ongaratto, a compra por impulso deve ser vista como questão de saúde pública. “É muito mais do que um problema econômico”, afirma. Pessoas mentalmente fragilizadas, por questões sociais ou emocionais, refletem esse desequilíbrio também na vida financeira. O resultado é super endividamento, inadimplência e impacto em toda a cadeia de consumo.
Mesmo assim, há espaço para mudança. A pesquisa mostra que 60% dos entrevistados acreditam que cuidar da saúde mental ajudaria a tomar decisões financeiras mais equilibradas. Para 30%, isso também reduziria gastos com a própria saúde.
Nesse cenário, a educação financeira aparece como ferramenta fundamental. Ongaratto explica que o diagnóstico dos gastos é o primeiro passo: “Coloca ali num papel, numa planilha como é que está sendo o seu gasto e você identifica onde está errando ali na hora de consumir, que de repente você está consumindo muito por impulsividade, comprando coisas supérfluas, e a partir daí a pessoa deve buscar apoio psicológico, psiquiátrico, para ver como solucionar esse problema, que ele não tem uma origem financeira, mas ele tem um comportamento danoso dentro das finanças”.
Para Maria Eduarda, iniciar um processo de terapia foi decisivo: “Hoje consigo pensar duas vezes antes de comprar. Ainda estou pagando minhas dívidas, mas aprendi a controlar o impulso. Descobri que comprar não era uma solução, só aumentava minha ansiedade”, afirma.
O estudo reforça que o Brasil enfrenta uma nova fase de inadimplência: a emocional. Silenciosa, mas crescente, ela exige integração entre planejamento financeiro, cuidados com a saúde mental e políticas públicas que fortaleçam o consumo consciente.