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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
CENTRO DE GOIÂNIA

Ocupa Centro tenta devolver vida cultural ao coração de Goiânia após décadas de descaso

Projeto quer revitalizar o Setor Central, mas problemas históricos e infraestrutura precária ainda limitam os resultados

Anna Salgadopor Anna Salgado em 3 de outubro de 2025
O Ocupa Centro tem o objetivo de reanimar ruas e espaços culturais, mas enfrenta problemas de segurança, manutenção e impactos sobre o comércio tradicional
Foto: Divulgação/SET

Durante décadas, o Setor Central de Goiânia se tornou símbolo do abandono urbano. Patrimônio histórico negligenciado, comércio enfraquecido, violência crescente, ruas escuras e prédios fechados transformaram o bairro em espaço de passagem, e não mais de convivência. 

O contraste com o passado, quando a região reunia cinemas, cafés, livrarias e intensa vida noturna, escancara a dificuldade da Capital em preservar sua própria memória. Nesse contexto, a execução do projeto “Ocupa Centro”, inspirado em lei da vereadora Aava Santiago (PSDB), surge como tentativa de reverter a degradação. Ainda incipiente, a iniciativa busca transformar o espaço em polo cultural e de lazer, mas enfrenta desafios estruturais que vão além do fechamento eventual de ruas.

“Sem dúvida nenhuma, é uma grande vitória ver a Rua do Lazer sendo ocupada. Eu me lembro do primeiro evento que meu mandato realizou na Rua do Lazer em agosto de 2021, que era o ‘Lugar de Mulher é no Bar e na Política’. Desde então, a gente veio lutando para levar outros bares para lá e para contribuir para que esses bares permaneçam. É muito legal ver a rua lotada, ver a população comprando essa ideia, vivendo o centro da cidade”, afirma Aava.

A parlamentar, contudo, admite que o processo é lento e depende de medidas práticas. “Eu pedi a troca de todas as lâmpadas históricas e já foram trocadas. Pedi para instalar luzes também nos becos da Rua 8 como da Rua do Lazer, e isso já está acontecendo. O que mostra que a gente só tem a ganhar, porque onde tem luz, tem vida.” A fala evidencia um problema antigo: a ausência de manutenção básica do espaço público, que durante anos afastou frequentadores e estimulou a percepção de insegurança.

Ao defender o projeto, a vereadora insiste no valor histórico do bairro. “O Centro da cidade é o ponto de partida do desenvolvimento. É onde a história das cidades é contada e onde a memória é registrada. Aqui em Goiânia temos uma grande quantidade de patrimônio art déco, prédios históricos, cafés e espaços de convivência. Eu sou vizinha do Café Central, que já foi um ponto de encontro de intelectuais e jornalistas e hoje está bastante precarizado. Esse é só um exemplo do que significa o centro das cidades.”

Como moradora há 15 anos, a Aava ressalta a importância de manter a região acessível. “O Centro é um bairro relativamente acessível, onde a especulação imobiliária ainda não chegou de maneira tão feroz. A gente consegue confluir com o comércio de rua, moradias a preços relativamente baixos e muita riqueza de arquitetura e de entretenimento. Resgatar isso e devolver o Centro para as pessoas não é só um dever histórico, mas um ganho coletivo.”

O projeto, instituído pela Lei nº 11.293, estabelece o fechamento de ruas para veículos às sextas, sábados, domingos e feriados, além de iluminação reforçada, banheiros químicos e limpeza. “Antes da lei, a rua já vinha sendo ocupada pela população, mas sem olhar do poder público para segurança e organização. Projetos são bons, mas transitórios. Por isso quis registrar em lei, criando um marco regulatório permanente para a ocupação dos espaços públicos”, explica a autora.

 

Revitalização do Setor Central revela conflitos, limitações e dilemas históricos

 

O prefeito Sandro Mabel também defendeu a ação. “Criamos um espaço só para as pessoas aproveitarem Goiânia com tranquilidade e alegria. É um novo jeito de viver e aproveitar essa região”, disse em vídeo. Apesar do discurso positivo, a execução ainda está longe de resolver os problemas históricos do Centro. A insegurança continua presente, o patrimônio segue sem restauro adequado e as ruas sofrem com falta de manutenção.

As tensões geradas pelo Ocupa Centro também expõem fragilidades. O Cine Ritz, cinema de rua mais antigo em funcionamento, denunciou prejuízos e queda no público. “Depois do fechamento da rua para festas e badernas, o público do Cine Ritz deixou de ir ao cinema, devido ao barulho excessivo, à falta de segurança e de estacionamento. Famílias e crianças que frequentavam o espaço não estão vindo mais”, declarou em nota.

Aava reagiu. “Sou apaixonada pelo Cine Ritz e frequento com minha família. É absolutamente lamentável que um ponto tão importante seja vandalizado. Já entramos em contato com a equipe do cinema e com o Sesc, que reformou parte da fachada, para agir em conjunto. O Ocupa Centro também é para fortalecer espaços como o Ritz.” O episódio expõe o dilema central: como revitalizar sem expulsar ou inviabilizar atividades já existentes?

O professor Lisandro Nogueira da Universidade Federal de Goiás (UFG) lembra que experiências de sucesso em outras cidades exigiram planejamento de longo prazo. “O que precisa é de política urbana séria, como Curitiba fez com sucesso, onde você revitaliza o centro para ter vida noturna, cultural e residencial. Aí o cinema aparece naturalmente.” Sua fala aponta para um dos riscos de iniciativas pontuais: sem integração com políticas de moradia, transporte e cultura, a ocupação pode se limitar a eventos sazonais sem transformar de fato a dinâmica da região.

Aava insiste que o projeto é apenas o começo. Na Câmara, outros projetos estão em debate, como a extensão do calçadão da Rua do Lazer até a Rua 8, leis de incentivo cultural e ações de revitalização de becos. “Se a sociedade civil e a iniciativa privada adotarem esses espaços, como no Beco da Liberté, teremos um centro mais vivo. Estamos nessa direção, com resultados concretos, mas ainda há muito a fazer”, afirma. 

A vereadora também alerta que a revitalização não pode depender de um calendário cultural. “Queremos que o Centro seja permanentemente um espaço de convivência, que não dependa apenas de um calendário cultural ou da boa vontade de um governo.”

O “Ocupa Centro” recoloca a região no mapa da vida cultural de Goiânia, mas seu alcance revela as limitações de políticas pontuais diante de décadas de descaso. Se por um lado bares e artistas encontram espaço, por outro o comércio tradicional e equipamentos culturais sofrem com os impactos da mudança. 

O desafio não é apenas animar as ruas nos fins de semana, mas reverter um quadro de abandono histórico. Como resume Aava Santiago: “Revitalizar o Centro é devolver a cidade para quem vive nela. É tornar a rua um espaço de vida, não de abandono.”

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