Mulheres lideram tomada de crédito em programa federal, mas com valores menores
Apesar das mulheres representarem mais de 67% dos tomadores do PNMPO, as empreendedoras recebem montantes menores e convivem com maior vulnerabilidade
Nos últimos anos, o empreendedorismo feminino ganhou força e visibilidade no Brasil. O mais recente Relatório de Efetividade do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mostra que as mulheres são a maioria entre os tomadores de crédito: representam 67% do total, o equivalente a 3,03 milhões de empreendedoras atendidas, mais que o dobro do número de homens, que somam 1,49 milhão.
A crescente presença feminina reflete um movimento de transformação no cenário econômico e social. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Brasil possui cerca de 30 milhões de empreendedores, dos quais mais de 10 milhões são mulheres à frente de seus próprios negócios.
E o futuro tende a ser ainda mais feminino: dados do Monitor Global de Empreendedorismo (GEM) de 2023 revelam que 54,6% das pessoas com intenção de abrir um negócio até 2026 são mulheres, uma virada em relação ao levantamento anterior, quando os homens lideravam esse índice.
Mas, apesar da expansão e da representatividade crescente, os números escondem uma realidade desigual. De acordo com a coordenadora da pesquisa de avaliação do PNMPO, professora doutora Andréa Freire de Lucena, da Universidade Federal de Goiás (UFG), os dados indicam que as mulheres continuam recebendo valores menores de empréstimo e apresentam maior vulnerabilidade econômica.
O programa já deu um passo importante ao alcançar mais mulheres, mas segundo a especialista, as simulações mostram que elas seguem com menores remunerações e mais exposição a riscos financeiros, o que revela a necessidade de políticas de crédito mais equitativas.
O acesso a crédito ainda é um dos principais desafios enfrentados pelas empreendedoras. Uma pesquisa recente do Instituto Rede Mulher Empreendedora aponta que 42% das mulheres que solicitaram crédito em 2023 tiveram o pedido negado. Muitas vezes, a falta de garantias, histórico financeiro limitado e preconceitos de gênero contribuem para as negativas ou para a concessão de empréstimos com juros mais altos.

Além das barreiras financeiras, há os desafios sociais. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as brasileiras dedicam, em média, 9,6 horas semanais a mais que os homens a tarefas domésticas e de cuidado. Essa sobrecarga impacta diretamente o tempo e a energia que poderiam ser investidos no crescimento dos negócios.
Um sonho de independência
A manicure Juliana Nascimento, de 32 anos, vive essa realidade. Moradora de Aparecida de Goiânia, ela decidiu formalizar o próprio negócio após perder o emprego durante a pandemia. “Comecei com o que tinha em casa. Agora quero abrir um pequeno estúdio, mas ainda não consegui o crédito que preciso. Já tentei duas vezes e os valores que me ofereceram são muito menores do que eu preciso para começar direito”, conta.
Juliana buscou apoio no PNMPO e vê no programa uma chance de ampliar seu ateliê e garantir uma renda estável para a família. “A gente quer crescer, mas é difícil quando o banco não confia. Mesmo com tudo certo, sempre pedem mais garantias”, lamenta.
Histórias como a dela se multiplicam em todo o País. O Nordeste, por exemplo, concentra a maior participação feminina no microcrédito, 68% dos empréstimos são destinados a mulheres. Ainda assim, os valores médios solicitados e aprovados para o público masculino seguem superiores.
Mulheres: Empreender como ato de resistência
Para a especialista, o empreendedorismo feminino vai além da geração de renda: é também uma forma de transformação social. “Empresas lideradas por mulheres tendem a valorizar mais a diversidade, a responsabilidade social e a sustentabilidade, criando uma rede de apoio que se estende para além dos lucros financeiros”, ressalta Lucena.
Apesar dos avanços, o caminho ainda é longo. A inclusão financeira das mulheres requer políticas públicas contínuas, capacitação técnica e acesso a linhas de crédito que considerem suas realidades específicas.
Enquanto isso, Juliana segue insistindo no sonho de ver seu estúdio de beleza sair do papel. “Quero mostrar que mulher consegue, sim. Só precisamos de uma chance justa.”