Goiás avança no Lixão Zero, mas 64 municípios ainda descumprem regras de destinação do lixo
Com 125 cidades na rota correta do lixo, o Estado registra progresso, porém quase um terço dos resíduos ainda vai para lixões e muitos municípios não concluíram o encerramento obrigatório
Quase metade dos municípios goianos ainda não realiza a destinação correta dos resíduos sólidos urbanos, de acordo com dados divulgados pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad), no contexto do Programa Lixão Zero, instituído em Goiás em 2023 que visa regionalizar o saneamento básico e encerrar os depósitos de lixo a céu aberto.
Ainda de acordo com o documento, 125 dos 246 municípios fazem atualmente a destinação considerada adequada. Esse grupo responde por cerca de 72% de todo o resíduo urbano gerado em Goiás, o equivalente a quase 5 mil toneladas diárias enviadas para locais autorizados.
O Lixão Zero demonstrou um crescimento de 18% no número de cidades com destinação correta em menos de um ano. Em dezembro de 2024, apenas 106 municípios goianos cumpriam a destinação correta.
Entre as 125 cidades que destinam corretamente, a maioria – 110 municípios – encaminha o lixo para 19 aterros sanitários licenciados localizados dentro de Goiás. Esses empreendimentos recebem em média 2,7 mil toneladas de lixo sólido urbano por dia. Outros quatro municípios enviam seus resíduos para aterro sanitário licenciado em outro Estado, movimentando uma estimativa de 150 toneladas por dia.
Há ainda nove municípios que utilizam aterros temporários de pequeno porte. Tais estruturas provisórias são autorizadas pela Semad, seguindo o Decreto nº 10.367/2023 e o Sistema Ipê, para atender municípios com população inferior a 50 mil habitantes que geram até 20 toneladas de resíduos por dia e que não têm alternativa viável de destinação final por estarem distantes de aterros licenciados. A permissão exige que o município encerre o lixão original e cumpra critérios básicos de controle ambiental.
Goiânia, foi incluída na contagem dos municípios que destinam corretamente, embora seu aterro municipal não possua licença ambiental para operação e que atualmente seja classificado em condição de lixão, com risco ambiental e sanitário. A destinação da Capital é considerada regular porque a operação funciona com base em decisão judicial. Goiânia produz uma estimativa de 1,4 mil toneladas de resíduos todos os dias.
A Semad esclarece que a “destinação correta” refere-se apenas à rota atual do lixo (para aterro licenciado, aterro temporário ou operação judicial), e não significa que o município tenha concluído o licenciamento de encerramento oficial do lixão.
Para cumprir a exigência de encerramento, o município precisa abrir um processo no Sistema Ipê, cercar e isolar o antigo lixão, apresentar estudos ambientais, elaborar o Plano de Reabilitação da Área Degradada (Prad) e demonstrar iniciativas de coleta seletiva que atendam aos requisitos mínimos do Programa Lixão Zero.
Segundo o balanço da Semad, muitos municípios ainda estão em fase de regularização: até o início de novembro, foram emitidas 83 licenças de encerramento de lixões; outros 91 municípios têm pedidos de licença em análise; e 64 ainda não solicitaram a autorização, permanecendo em situação irregular.
A Semad informa que todos os demais municípios estão irregulares. Atualmente, 28% de todo o resíduo urbano gerado no Estado ainda é encaminhado para lixões, sem destinação ambientalmente adequada.
Especialista aponta falhas, enterro de lixo reciclável e abandono de catadores
O avanço na destinação esconde um forte “alerta vermelho” levantado por especialistas. Alexsander Mendes, gestor ambiental especialista em gestão de resíduos sólidos, critica o modelo atual, onde grande parte dos municípios está simplesmente enviando seus resíduos para aterros particulares, como os de Guapó e Aparecida de Goiás, pagando um preço altíssimo.
Mendes aponta que a lei exige que apenas rejeitos sejam enterrados (materiais que não podem ser reciclados, como fraldas e material contaminado). No entanto, municípios como Pirenópolis, Nerópolis, Trindade e Goianira estão enterrando tudo, incluindo materiais recicláveis, junto com os rejeitos.
O custo de destinação é elevado, e essa prática ignora a necessidade de tecnologias como compostagem, valorização de gás metano ou usinas de triagem. O especialista lamenta que toneladas de materiais recicláveis, que poderiam gerar emprego e renda, estão sendo soterradas, impactando o mercado reciclador.
O especialista pontua que o abandono dos catadores é o ponto mais crítico da execução do programa. Catadores que trabalharam nos lixões por décadas foram “expulsos ou proibidos de coletar”. O Estado, junto aos municípios, deveria ter encerrado os lixões e estruturado cooperativas com prensa e esteira, mas, na prática, os projetos são precários ou temporários, alugando galpões superfaturados até o fim do mandato político.
Além disso, o gestor ambiental acusa o desvio do ICMS Ecológico, que deveria ser usado em campanhas de educação ambiental, coleta seletiva e instalação de lixeiras, mas está sendo aplicado em “construção de estradas” e “reforma de escolas”, sem que o Estado exija sua aplicação na área de resíduos.
A Professora de biologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Raquel Pires, aponta que os riscos ambientais são inerentes quando não há controle adequado nos aterros.
Ela destaca que, sem coleta e tratamento apropriados, o chorume tem o potencial de infiltrar no solo e alcançar águas superficiais e subterrâneas. As normas técnicas (ABNT NBR 13.896 e Resolução Conama 404) exigem impermeabilização, drenagem e tratamento, mas esses são pontos criticados pela fiscalização.
Pires também alerta para o risco dos gases, principalmente o metano. A ausência de captação, queima ou valorização deles eleva o risco de incêndios e explosões, além de aumentar a incidência de odores e vetores. A professora notou que já houve um foco de incêndio recente em uma área próxima ao aterro.
Alexsander complementa o alerta, questionando o que acontecerá quando esses aterros particulares, “estourarem”, contaminando regiões que possuem abastecimento de água.
A fase de transição do Programa Lixão Zero, que exige a destinação correta e o início do encerramento dos lixões, segue em curso até 2026. Para auxiliar, a Semad tem realizado reuniões regionais para oferecer orientação técnica e apoio direto aos municípios.
A fase definitiva (após 2026) prevê que o Estado assuma a titularidade da gestão dos resíduos sólidos em parceria com os municípios, em regime de governança compartilhada. O governo de Goiás contratou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para elaborar a modelagem técnica, jurídica, financeira e operacional da regionalização do saneamento. A previsão é que esses estudos sejam apresentados aos municípios em 2026 para votação pelas microrregiões.
Leia mais: Novo deslizamento em aterro de Padre Bernardo volta a atingir córrego já contaminado