Isenção do IR avança e mostra crise entre Planalto e Congresso
Davi Alcolumbre e Hugo Motta combinam e se ausentam na cerimônia. Movimento expôs a deterioração da relação entre o governo e o comando do Legislativo, após semanas de atritos envolvendo STF, pautas econômicas e disputas internas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta quarta-feira (26) a lei que amplia a isenção do Imposto de Renda para trabalhadores com renda mensal de até R$ 5 mil. A proposta foi aprovada por unanimidade no Congresso no início de novembro. A ausência simultânea de Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) nesta cerimônia, no Palácio do Planalto, expôs de forma inédita o agravamento da crise entre o governo Lula e o comando do Congresso, após semanas de atritos envolvendo a indicação ao STF, o desgaste no PL Antifacção e acusações de articulação contra lideranças parlamentares.
A dupla decidiu faltar ao evento como gesto político para sinalizar insatisfação com o Planalto, segundo relatos. A apuração aponta que eles conversaram previamente e combinaram o movimento, apesar de o projeto celebrado na cerimônia ter sido construído em parceria entre Executivo e Legislativo. A justificativa oficial de ambos foi uma “agenda intensa” na manhã desta quarta-feira, embora não houvesse compromissos deliberativos ou reuniões registradas.
Davi Alcolumbre reagiu de forma direta, com a decisão de Lula de indicar o advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal, contrariando sua preferência por outro nome e levando-o a evitar interlocução até mesmo com o líder governista, Jaques Wagner. Ele destravou e aprovou um projeto de forte impacto fiscal, que altera as regras de aposentadoria dos agentes de saúde e pode gerar gastos de aproximadamente R$ 20 bilhões, segundo estimativas do próprio governo. Além disso, marcou para 10 de dezembro a sabatina de Messias, impondo ao AGU pouco tempo para articular apoio.
Na Câmara, Motta vive um embate crescente com o Planalto desde o desgaste provocado pela tramitação do PL Antifacção. O presidente da Casa acusa aliados do governo de promover ataques coordenados contra ele e decidiu romper relações com o líder do PT, Lindbergh Farias, figura considerada estratégica na interlocução com a Esplanada.
O presidente reiterou que o consumo das famílias é o principal motor do crescimento e argumentou que ampliar o poder de compra dos mais pobres fortalece toda a cadeia produtiva. Lula voltou a defender sua tese de que a concentração excessiva de recursos gera vulnerabilidade social, enquanto a circulação de renda impulsiona a atividade econômica. “Combater a desigualdade é termos a capacidade de nos indignarmos com aquilo que está errado. O bom governante se preocupa com aqueles que são invisíveis. Muito dinheiro na mão de poucos significa miséria, mas pouco dinheiro na mão de muitos significa distribuição de riqueza”, afirmou Lula.
Durante o discurso, ele lembrou que a promessa foi feita ainda na campanha: “o povo pobre não quer muita coisa, ele quer garantir que vai ter comida todo dia, que vai ter um lugar pra morar e que seus filhos possam estudar. Lembro quando Haddad foi me entregar o projeto e hoje estamos cumprindo essa promessa. É um dia muito importante. Vamos elevar esse país a um padrão de desenvolvimento médio, e ele não deve continuar sendo um país desigual”, garantiu.
No evento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou a necessidade de articulação política com o Legislativo para assegurar a conclusão das pautas econômicas do ano. “Quando o bem comum está acima de interesses menores, é possível unir o Brasil em torno de grandes causas”, disse. Haddad ressaltou ainda o impacto da proposta sobre a desigualdade de renda. “O Brasil possui uma desigualdade pior do que a de 47 países da África. Isso tem que acabar. Temos que ter o mínimo de dignidade para nossa gente. Se a desigualdade começa a ser reduzida, é porque as oportunidades estão sendo ampliadas”.
Com a nova legislação, 10 milhões de trabalhadores deixam totalmente a base de cobrança do IR, enquanto outros 5 milhões terão redução do valor devido. Na prática, os efeitos serão percebidos na declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física de 2027, referente ao ano-base 2026. Medida passa a valer a partir de janeiro de 2026 e deve alcançar mais de 15 milhões de brasileiros.
A proposta foi enviada ao Congresso em março deste ano e recebeu aprovação unânime na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Entre 2023 e 2026, considerando atualizações já realizadas, o governo estima que aproximadamente 20 milhões de brasileiros terão isenção total e outros 5 milhões terão redução de imposto, somando 25 milhões de beneficiados na atual gestão.
Apesar da tensão, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), tentou minimizar o peso das ausências ao agradecer nominalmente aos presidentes do Senado e da Câmara, afirmando que a falta de ambos “não ofuscava” o apoio dado à matéria celebrada no evento.