Como gestão Mabel virou problema para campanha de Daniel Vilela
Com caixa acima de R$ 1,6 bilhão e corte de serviços, estratégia do prefeito de Goiânia dá brecha para ataques de Wilder e Marconi, alimenta impopularidade e pode respingar na pré-campanha do vice-governador
Bruno Goulart
A condução do Paço Municipal pelo prefeito Sandro Mabel (UB) virou um novo elemento no tabuleiro político de 2026. Embora o município tenha mais de R$ 1,6 bilhão em caixa, Mabel insiste em manter – e prorrogar – o decreto de calamidade financeira. Essa escolha, que lhe permite governar com menos amarras e pouca dependência do Legislativo, tem provocado desgaste interno e externo e pode, segundo analistas, prejudicar diretamente a pré-candidatura do vice-governador Daniel Vilela (MDB) ao Governo de Goiás.
Depois de quase um ano de gestão, as medidas adotadas pelo prefeito têm sido impopulares. Fechamento de escolas, desativação de unidades de saúde, possibilidade de redução nos valores de plantões médicos e transferência da gestão de maternidades para organizações sociais (OSs) são decisões que impactam o dia a dia da população. O contraste entre o caixa cheio e o encolhimento dos serviços alimenta a sensação de que a cidade tem sido administrada com foco apenas no ajuste fiscal, não na prestação de serviços.
Além disso, o decreto de calamidade, que permite ao Executivo contratar e remanejar recursos sem seguir trâmites tradicionais, levou o prefeito a um estilo de gestão mais centralizador. Ao O HOJE, o estrategista político Marcos Marinho afirma que a manutenção da calamidade “a todo custo” desagrada a todos e cria fissuras em uma base que deveria estar unificada rumo a 2026.
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Marinho destaca que, neste cenário, o senador Wilder Morais (PL) e o ex-presidente Marconi Perillo (PSDB), ambos pré-candidatos ao governo, encontram terreno fértil para desgastar a imagem de Daniel Vilela. “Goiânia é uma cidade vitrine. Como Sandro está diretamente associado ao MDB e ao governo Caiado, a oposição vai explorar a percepção negativa da gestão para atacar Daniel.” Segundo o estrategista político, o PL, especialmente, tende a usar uma narrativa poderosa: a de que Goiânia “teve a chance” de eleger Fred Rodrigues em 2024 e pode agora “corrigir o rumo” com a vitória de Wilder Morais ao Governo de Goiás.
No segundo turno das eleições municipais de 2024, Fred Rodrigues (PL) recebeu 44% dos votos válidos, contra 55% de Mabel, o que coloca o PL como a maior força da direita na Capital. Como observa Marinho, o partido sabe disso e não perderá a oportunidade de conectar a insatisfação com Sandro à disputa pelo governo.
Exceção não pode virar regra para gestão Mabel
Enquanto isso, há também questionamentos jurídicos. Para o advogado constitucionalista Matheus Costa, a calamidade pública não é ilegal por si só, mas exige “fundamentação objetiva, proporcionalidade e reconhecimento pela Alego”. A nova realidade fiscal da cidade, porém, caminha no sentido oposto: há aumento de caixa, redução da dívida e superávit. “Neste cenário, a manutenção da calamidade exige explicação ainda mais clara de necessidade, porque a Constituição não permite que o regime de exceção vire regra”, afirma.
Costa alerta ainda para o risco de descompasso constitucional: se há recursos disponíveis, não se justifica que serviços essenciais sejam comprometidos. “O instrumento pensado para proteger a população não pode resultar em prejuízo à prestação de serviços.”
Desta forma, o imbróglio administrativo de Mabel ultrapassa os limites da prefeitura e pode atingir diretamente o projeto de Daniel Vilela. A leitura nos bastidores é de que o prefeito, ao optar por uma gestão com cortes agressivos e decisões impopulares, abre espaço para que adversários construam a narrativa de que o MDB e, por extensão, Daniel representam o mesmo modelo que tem irritado a população da Capital.
Para um pré-candidato que pretende herdar o capital político de Ronaldo Caiado, ter Goiânia como vitrine negativa pode se tornar um passivo importante. E, à medida que a eleição se aproxima, cada escolha de Mabel passa a ter peso cada vez maior na equação política do MDB e na estratégia da oposição. (Especial para O HOJE)