Estudos revelam por que a Marginal Botafogo continua alagando há décadas em Goiânia
Via construída sobre trecho canalizado do Córrego Botafogo acumula mais de 30 anos de intervenções inacabadas, impermeabilização crescente e interdições sucessivas
Depois de mais um episódio de alagamentos em Goiânia, o prefeito Sandro Mabel voltou a comentar a situação da Marginal Botafogo, reconhecendo que, embora o sistema implantado no início do ano tenha trazido avanços, ele não resolve os pontos mais críticos da via. As cenas de carros ilhados e trechos bloqueados repetiram um padrão que Goiânia conhece bem — um histórico que se arrasta há décadas, com registros marcantes em 2016, 2017, 2019 e 2022.
Entre os pontos mais problemáticos está o chamado “forno Cascavel”, expressão usada pelo próprio prefeito. Ali, a água chega com enorme força devido à convergência de microbacias e ao alto grau de impermeabilização do entorno. Técnicos explicam que parte da água que desce para o local percorre trajetos subterrâneos de até 2 km antes de alcançar o córrego canalizado, aumentando a pressão na região.
Uma obra que nasceu polêmica — e nunca foi concluída como planejado
Construída há 34 anos, a Marginal Botafogo foi um dos marcos da urbanização de Goiânia. Idealizada no fim dos anos 1980, na gestão de Nion Albernaz, seguiu a tendência nacional da época: canalizar córregos para abrir avenidas e agilizar o trânsito. Nesse processo, mais de 15 km do Córrego Botafogo foram retificados e cobertos.
A via, que hoje recebe de 70 mil a 100 mil veículos por dia, cumpriu o objetivo de melhorar o fluxo viário. Mas trouxe consequências conhecidas: canal estreito, velocidade de água maior e perda da capacidade natural de infiltração.

Além disso, várias estruturas previstas no projeto original — como dissipadores, áreas de amortecimento e trechos de contenção — nunca foram executadas. Isso deixou partes da Marginal vulneráveis a inundações e erosão.
Urbanização acelerada agravou o cenário
Nos anos 1990 e 2000, Goiânia viveu um avanço rápido da ocupação urbana, especialmente nos setores Sul, Campinas e Centro Expandido, regiões diretamente ligadas à bacia do Botafogo. Estudos mostram que essas áreas tiveram aumento de até 30% na impermeabilização do solo, reduzindo drasticamente a capacidade de absorção das chuvas.
Somado a isso, dados do Inmet apontam que as precipitações ficaram mais intensas e concentradas nas últimas duas décadas. Hoje, basta uma chuva de 25 a 35 milímetros em menos de uma hora para que a Marginal entre em colapso.
Alagamentos, prejuízos e riscos recorrentes
Com o passar dos anos, a Marginal Botafogo virou palco de cenas dramáticas de enxurradas:
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carros arrastados pela correnteza;
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motoristas presos dentro de veículos;
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vias totalmente submersas;
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interdições que se repetem a cada temporada chuvosa.
Entre 2019 e 2023, a Marginal teve de ser interditada mais de 40 vezes por causa de alagamentos ou erosões. Além dos transtornos, comerciantes relatam prejuízos recorrentes cada vez que o tráfego é interrompido.
As erosões também se tornaram uma constante: contenções cedem praticamente todos os anos, exigindo obras emergenciais que já consumiram dezenas de milhões de reais.
Por que o problema persiste? Especialistas apontam falhas estruturais
Engenheiros, geólogos e urbanistas convergem em três fatores centrais:
1. Canalização rígida e ultrapassada
O córrego perdeu sua capacidade natural de amortecer cheias.
2. Drenagem insuficiente para o volume atual de chuvas
As galerias projetadas nos anos 1990 não comportam eventos intensos atuais.
3. Ocupação desordenada da bacia
A urbanização avançou sobre áreas antes permeáveis, acelerando o escoamento.
Prefeitura aposta em piscinões e novos investimentos
Diante da repetição dos desastres, o prefeito Sandro Mabel anunciou um pacote de obras que inclui:
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construção de piscinões para retenção e dissipação da água;
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investimento de R$ 120 milhões em novas intervenções;
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readequações na drenagem urbana da região;
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instalação de cancelas para impedir entrada de veículos em dias de chuva forte.
Os reservatórios são uma solução já adotada com sucesso em cidades como São Paulo e Curitiba, reduzindo a velocidade da enxurrada nas áreas mais críticas.
Mas especialistas ponderam que os piscinões não resolvem tudo: Goiânia precisará rever todo o sistema de drenagem da região central, reabrir áreas de infiltração e repensar a ocupação nas margens do Botafogo.
Um problema crônico que exige solução definitiva
A Marginal Botafogo nasceu de um projeto viário que priorizou o fluxo de veículos em detrimento da dinâmica natural do córrego. Três décadas depois, a conta dessa escolha continua sendo paga por motoristas, comerciantes e pela própria cidade.
Sem uma reestruturação profunda, o diagnóstico permanece o mesmo: