Nada muda na ceia e é por isso que a comida afetiva permanece
Pratos simples e rituais repetidos no fim do ano revelam como a alimentação atua como linguagem emocional e reforço de vínculos
Dezembro concentra um tipo específico de tensão social. Ao mesmo tempo em que convoca encontros, o mês também explicita ausências, balanços e encerramentos. Nesse contexto, a comida afetiva deixa de ser apenas parte da celebração e passa a cumprir uma função simbólica: organizar o tempo, sustentar vínculos e criar uma sensação de continuidade diante da mudança.
Nas ceias de Natal e Réveillon, o cardápio raramente se transforma. A rabanada retorna ano após ano, o peru mantém seu lugar central, a farofa se repete com pequenas variações. A permanência desses pratos não é fruto de falta de criatividade, mas de um acordo tácito entre gerações. A comida afetiva preserva gestos familiares, reafirma pertencimentos e produz reconhecimento coletivo.

Em um período marcado por encerramentos profissionais, expectativas para o ano seguinte e lutos explícitos ou silenciosos, sabores conhecidos funcionam como ponto de estabilidade. Preparos longos e receitas herdadas ajudam a reduzir a sensação de ruptura típica do fim do ano. A comida afetiva, nesse cenário, atua como mediadora entre passado e presente.
Para o chef Will Peters, o valor desses alimentos não está associado à técnica ou à apresentação. “A gastronomia afetiva é uma ponte entre o que somos e o que lembramos. Não é sobre complexidade técnica, mas sobre o poder de um cheiro ou sabor de nos transportar para momentos seguros e familiares”, afirma.
Segundo ele, a força desses pratos está na fidelidade ao gesto original. “A comida afetiva não precisa ser bonita. Ela precisa ser sincera, ter sabor de casa e aquele toque imperfeito que só a cozinha da memória entrega”, diz.
O ato de cozinhar para outras pessoas também carrega implicações sociais. Em datas de grande exposição emocional, a comida afetiva se transforma em linguagem de cuidado. “Quando cozinhamos para alguém, entregamos mais do que um prato: entregamos cuidado. É por isso que a comida de fim de ano tem esse poder único de nos reunir e nos lembrar quem somos”.

LEIA MAIS: https://ohoje.com/2025/12/15/festas-de-fim-de-ano-sem-culpa/