Coluna

A abertura (suicida) do mercado e a morte anunciada do que ainda resta da indústria

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 23 de outubro de 2019

Sorrateiramente,
a Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do
Ministério da Economia vinha conversando a meses com o governo argentino sobre um
corte unilateral das tarifas de importação. Na verdade, a proposta dos sonhos
do ministro dos mercados embute um corte radical nas tarifas de importação,
lançando principalmente a indústria numa rota suicida. A abertura, na visão do
ministro dos mercados, deveria forçar a indústria a se modernizar, a ganhar
produtividade, “estimulando” na base da porrada (desculpem os leitores mais
sensíveis) a retomada do crescimento e dos investimentos no setor. O efeito
prático tenderá a ser a derrocada final da indústria brasileira e o abandono
pelo País de qualquer veleidade em relação a uma participação mais altiva e
relevante no cenário internacional.

Nos
países de renda média com grande população, caso brasileiro, o grande “ativo” é
o seu mercado doméstico, pelo potencial de crescimento ainda não explorado,
pelas possibilidades que oferece de construir um projeto nacional de fôlego e de
lançar, a partir daqui, as bases para a ocupação de espaços no mercado internacional.
E, ainda, por assegurar ao País uma posição negociadora mais forte no âmbito
externo. O que pretende o ministro dos mercados e sua equipe de economistas
tresloucados? Abrir mão dessa vantagem estratégica completamente e, pior ainda,
graciosamente, sem ao menos negociar com seus principais parceiros e
concorrentes comerciais qualquer tipo de reciprocidade.

A
proposta apenas “vazou” para a opinião pública por conta do trabalho do
repórter Daniel Rittner, do jornal Valor Econômico (22.10.19). Não fosse isso,
as conversações com a Argentina teriam prosseguido em segredo. Por que o
segredo? Evitar a ação de lobbies? Também. Mas principalmente porque a equipe
econômica sabe que a abertura radical e unilateral do mercado brasileiro
representa um ato de lesa-pátria, um ataque aos reais interesses nacionais e,
mais especificamente, à indústria, já combalida por anos de maus tratos, pela
ausência completa de políticas de longo prazo, pelo câmbio que tem ajudado a
alavancar as importações e a desindustrializar o País e, mais recentemente,
pelo fim de qualquer possibilidade de financiamento de longo prazo a custos
compatíveis com investimentos de alto risco.

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Interesses nada
ocultos

Os
interesses por trás desse tipo de proposta, de que não fazem segredo a equipe
econômica e seu chefe, Paulo Guedes, o ministro dos mercados, buscam a entrega
final do País a grandes grupos internacionais. Aí sim o País alcançará a
modernidade. Mas sem empregos de qualidade, sem inovação real e sem indústria
brasileira, que enfrenta o risco concreto de consolidar seu papel na economia
brasileira como mera “maquiadora” de bens e produtos importados, sem relevância
local e internacional.

Balanço

·  
Em
nota divulgada na terça-feira, 22, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) criticou
a proposta de corte superior a 50% do imposto de importação no setor, com
redução unilateral da chamada Tarifa Externa Comum (TEC), que regula a
tarifação de importações no âmbito do Mercosul.

·  
Segundo
a nota, “um estudo ainda inédito, contratado pela CNI junto ao Centro de
Estudos de Política da Universidade de Victoria, na Austrália, mostra que um
corte abrupto de 50% reduzirá o Produto Interno Bruto (PIB) de pelo menos 10
dos 23 setores industriais até 2022, prejudicando a retomada do crescimento e a
redução do desemprego”.

·  
Esse
“choque de tarifas”, na definição escolhida pela CNI, deverá ser implantado em
apenas quatro anos, demonstrando falta de “sincronia com as demais medidas
voltadas à ampliação da competitividade da economia e da indústria”. Na
verdade, pela total ausência de diálogo com especialistas e representantes da
indústria, a proposta não parece contemplar qualquer tipo de planejamento
básico, que permita antecipar os efeitos da medida sobre cada um dos setores da
economia.

·  
A
CNI lembra que a reforma tributária, que deveria simplificar a cobrança de
impostos, inclui um período de transição de 10 anos e, além disso, o acordo
comercial entre Mercosul e União Europeia “só estará totalmente implementado
(se ainda vier a ser) após 15 anos de sua entrada em vigor” (o que sequer
ocorreu ainda).

·  
Para
completar, acrescenta a confederação, “o Brasil ainda perde poder de barganha
nas negociações para derrubar as barreiras de terceiros mercados ao agronegócio
brasileiro”.

A abertura irresponsavelmente conduzida pelo
governo Collor, os anos de crise e o longo período de câmbio valorizado e
importações baratas já reduziram a participação da indústria no Produto Interno
Bruto (PIB) de 48% em 1985 para apenas 21,6% no ano passado. Ainda em 2018, a
indústria de transformação viu sua fatia ser reduzida para 11,3% – a mais baixa
desde 1947, quando a industrialização ainda engatinhava no País.