A destruição da indústria no País, uma “obra” de décadas

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 14 de setembro de 2021

Ao longo do primeiro ano da pandemia, o valor adicionado da indústria mundial sofreu um tombo de 8,4%, segundo dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), trabalhados pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). A Covid-19 “desencadeou uma crise sem precedentes, impactando a fabricação de bens e causando rupturas nas cadeias globais de valor, bem como uma desaceleração geral da demanda”, observa o instituto. Não foi nem de longe a causa central da crise que a indústria brasileira enfrenta, que tem duração mais alongada no tempo e causas mais profundas do que a retração causada circunstancialmente pela Covid-19.

Precisamente por isso, são questões que não se resolverão com o fim da pandemia, se e quando isso de fato vier a ocorrer. A resiliência demonstrada pela atividade industrial em alguns países, sobretudo no leste da Ásia, sugere caminhos para o Brasil, mas indicam, igualmente, que o setor não terá sua relevância recuperada sem mudanças de fundo na política macroeconômica adotada por aqui desde os anos 1990, que criou um ambiente extremamente hostil ao setor industrial, elevando às nuvens os custos do capital, barateando durante um período excessivamente alongado as importações e levando a uma substituição de importações às avessas.

Primeiro país a ser atingido pelo vírus e também o primeiro a conseguir controlar o surto, conforme o Iedi, a China registrou declínio de apenas 1,3% no ano passado, que lhe permitiu ampliar um pouco mais sua fatia no valor adicionado da indústria mundial de transformação, saindo de 29,4% para 31,3%. Os chineses lideram o ranking dos maiores fabricantes de manufaturas desde pelo menos o começo da década passada, enquanto os três gigantes nessa área perdem espaço – e exatamente para reverter essa tendência, anota o Iedi, buscam “novas estratégias de desenvolvimento industrial”, que guardam entre si, como ponto de maior aproximação, uma articulação intensa entre setores público e privado, seja na concessão de financiamentos, seja no investimento intensivo em pesquisa, desenvolvimento e inovação, como mostram trabalhos recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do próprio Fundo Monetário Internacional (FMI).

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“Gigantes” recuam

Entre 2019 e 2020, a participação dos EUA, do Japão e da Alemanha no valor adicionado da indústria global recuou, respectivamente, de 16,5% para 15,9%, de 7,1% para 6,6% e de 5,1% para 4,6%. Mas esse processo de perda, acelerado pela globalização da manufatura, com realocação de fábricas para regiões de custos mais baixos ou até então consideradas estratégicas, mostra fôlego mais longo. Em 2005, a manufatura norte-americana respondia por 22,4% do valor adicionado mundial, ocupando a liderança, com a China surgindo já na segunda posição, com participação de 13,7%. Japão e Alemanha detinham, pela ordem, 9,4% e 6,5% da manufatura global. Na França, a participação baixou de 2,8% para 1,7% entre 2005 e o ano passado. Além dos chineses, Coreia do Sul, Índia e Taiwan avançaram de forma relevante, saindo de 2,9%, 1,7% e 1,0% em 2005 para 3,3%, 3,0% e 1,8% em 2020.

Balanço

  • O Brasil seguiu caminho inverso das principais economias emergentes, desabando da 9ª colocação em 2005 para 11ª em 2015 e daí para a 14ª posição no ranking mundial da manufatura. No começo da série, segundo estatísticas da Unido, a indústria brasileira acumulava 2,2% do valor adicionado do setor de transformação no mundo e reduziu essa fatia para menos da metade, atingindo apenas 1,3% no ano passado – praticamente a mesma participação registrada em 2019.
  • O Iedi chama a atenção ainda para três outros aspectos no processo de perda de importância relativa da indústria brasileira. Classificado como país em desenvolvimento, o Brasil continua observando redução da participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB), o que significa dizer que o setor tem registrado desempenho inferior àquele observado para todo o restante da economia. Em 2010, o setor participava com 12,4% na composição do PIB, fatia reduzida para 9,9% no ano passado. No grupo de países em desenvolvimento, no entanto, a participação tem permanecido ao redor de 20% desde1990, subindo ligeiramente entre 2010 e 2020.
  • Na década passada, o instituto aponta ainda concentração maior do valor agregado industrial em “poucos ramos, a princípio, de menor intensidade tecnológica”. Entre 2010 e 2019, na estatística mais recente para o setor, apenas quatro ramos de atividade – alimentos, produtos químicos, coque e petróleo refinado e metais básicos (com destaque para o minério de ferro, acrescente-se) – elevaram sua fatia no valor adicionado de 45,7% para 53,1%.
  • Adicionalmente, continua o Iedi, ainda com base em dados da Unido, a despeito da pandemia, “não há sinais de desindustrialização” no mundo, com a participação da indústria no PIB global mantendo-se em 16%, e nem mesmo nos demais países em desenvolvimento, onde a manufatura passou a ocupar uma fatia de 20,6% do PIB no ano passado, saindo de 20% em 2019, sempre tomando o valor do dólar em 2005. O valor agregado da manufatura brasileira caiu a uma média anual de 1,8% entre 2010 e 2015 e recuou mais 1,5% de 2015 a 2020, diante de taxas positivas de 3,3% e de 1,6% observadas para a indústria global. Em termos per capita, o valor da transformação industrial no Brasil desabou 25% de 2010 para 2020, na contramão mais uma vez dos países emergentes e em desenvolvimento, que registraram alta de 36,6%, frente ao avanço de 11,9% realizada pela indústria em todo o globo.
  • A perda de substância e complexidade na indústria reflete-se nos números da balança comercial (exportações menos importações) da indústria de transformação, quando analisados os diversos segmentos do setor por nível de intensidade tecnológica. A participação dos setores de média-alta e alta tecnologia na pauta comercial apresenta sinais inversos, representando menos de 28,0% das exportações acumuladas no primeiro semestre deste ano e mais de dois terços (64%) das compras externas do País. Os segmentos de média e média-baixa intensidade tecnológica responderam por 62,5% das exportações da indústria de transformação e por 27,6% da pauta de importações.