A PEC da reforma tributária e o assalto dos “lobbies do atraso”

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 17 de agosto de 2023

A princípio, o relator da proposta de reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB/AM), deve concluir seu parecer no dia 17 de setembro, com o relatório seguindo para votação na Comissão de Constituição e Justiça (CJCJ) da casa no dia 4 de outubro. Durante todo o processo, os “lobbies do atraso”, como qualifica o economista Sérgio Wulff Gobetti, atual assessor econômico da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, estarão em plena ação, buscando dinamitar a reforma, abrindo exceções no sistema de tributação aprovado no dia 7 de julho pela Câmara para preservar ou gerar novos privilégios fiscais.

Doutor em Economia pela UnB, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e ex-secretário-adjunto de Política Fiscal e Tributária do Ministério da Fazenda, em artigo recentemente publicado pelo portal Jota, Gobetti afirma que “não há nenhuma razão plausível (a não ser o interesse de determinados lobbies setoriais e corporativos) para que o Brasil continue sendo a única economia relevante do mundo que tributa serviços em separado dos bens”, como define a Proposta de Emenda à Constituição 45/2019, a PEC da reforma tributária agora em análise pela CCJ do Senado.

Como já conhecido, a proposta sugere um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) “dual”, com a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – que substituirá o Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços (ICMS), de competência estadual, e o Imposto sobre Serviços (ISS) municipal – e ainda da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com extinção do IPI, PIS e Cofins, todos federais. A cobrança daqueles tributos passará a ocorrer no destino, ou seja, nos locais onde bens e serviços são consumidos, num modelo adotado em 174 países, incluindo as economias mais desenvolvidas do planeta. Hoje, a tributação acontece em sua maior parte na origem, quer dizer, nas regiões onde os bens são produzidos e nos municípios sede das empresas prestadoras de serviços, abrindo espaço para a famigerada “guerra fiscal” com todas as distorções geradas em cadeia no sistema tributário e na economia.

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Saldo positivo

A edição deste mês da Carta do Ibre, publicação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), assinada pelo economista Luiz Guilherme Schymura, ele mesmo pesquisador do Ibre e doutor em economia pela FGV, conclui que a proposta que chegou ao Senado, a despeito de questões pontuais e alterações ocorridas ao longo do processo de votação na Câmara, deixa ainda um “saldo amplamente positivo”. Com base em dados e análises de Manoel Pires, pesquisador associado do Ibre/FGV, escreve Schymura, a PEC tem como ponto de partida a busca de soluções para as graves distorções e problemas do regime tributário em vigor. O IVA, portanto, “elimina a cumulatividade [a cobrança de imposto sobre imposto, gerando custos e ineficiências], e estimula a desverticalização produtiva (etapas produtivas sendo feitas por diferentes empresas, e não dentro de uma só), com ganhos de eficiência via especialização; além da agregação de mais etapas de produção dentro do país, pelo aumento da competitividade”. A tributação no consumo e não mais sobre a produção, acrescenta Schymura, “desonera investimentos e exportações, sendo equivalente a uma depreciação não inflacionária do câmbio, que aumenta a competitividade da economia”.

Balanço

  • As ponderações de Schymura, sustentadas por observações e estudos de outros economistas além de Pires, a exemplo de Bráulio Borges, igualmente pesquisador do Ibre, contradizem em grande medida críticas e argumentos que têm sido apresentados por entidades empresariais, governadores e grupos de interesse.
  • Entre outros pontos, menciona Schymura, há “farta evidência acadêmica internacional sobre aumentos de investimentos, atividade econômica em geral, gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D), emprego e produtividade (por trabalhador e total dos fatores) relacionados à introdução do IVA em países como Canadá, China e Índia”.
  • O pesquisador do Ibre destaca particularmente um estudo de 2020, desenvolvido por Bibek Adhikari, enquanto professor na Illinois State University. O trabalho “apontou ganhos de cerca de 8% a mais” no Produto Interno Bruto (PIB) por trabalhador, “avaliando 33 episódios de introdução do IVA mundo afora, chegando a quase 33% no caso de países de renda média-alta (grupo no qual o Brasil se insere hoje)”.
  • Aqui dentro, prossegue Schymura, os estudos disponíveis, incluindo análise mais detalhada desenvolvida por Bráulio Borges (já registrada neste espaço), com “simulações dos efeitos da introdução do IVA no País pelo prisma de diferentes ângulos da mudança tributária proposta, encontram impactos de aumento do PIB que vão de 4% a 20%”.
  • “Adicionalmente, há efeitos distributivos positivos e relevantes, pela prevista redução da tributação da eletricidade, pelo barateamento relativo de bens (com mais peso na cesta de consumo dos pobres) em relação a serviços e pela desoneração completa da cesta básica (atualmente ainda há incidência de tributos regionais sobre ela)”, acrescenta Schymura.
  • Na contramão das críticas endereçadas à reforma por governadores, o pesquisador do Ibre lembra que os Estados mais pobres ou menos desenvolvidos, “mais consumidores do que produtores”, em virtude da estrutura própria de suas economias, “devem se beneficiar relativamente aos mais ricos com a mudança da origem para o destino, o que lhes permitirá oferecer mais serviços públicos”. Além disso, a definição de “critérios levando em conta a população devem tornar mais equitativa a distribuição de receita tributária dos Estados para os municípios”.
  • O endereçamento da tributação sobre o destino, entre outros avanços, deve pôr fim ou limitar drasticamente o que Schymura classifica como “guerra fiscal ilimitada”, que “reduz a arrecadação coletiva dos Estados e distorce decisões geográficas de investimento”. Para complicar, o sistema tributário vigente acomoda uma “pletora de regimes especiais”, incluindo a concessão de isenções ou reduções de alíquotas dos atuais impostos indiretos. 
  • “Concedidas muitas vezes para aliviar setores inviabilizados pelo próprio regime tributário irracional, os regimes especiais reduzem a base tributária e levam a uma tributação ainda mais pesada dos segmentos plenamente taxados – o que inviabiliza outros ramos, gerando novas demandas de regime especial, numa espécie de círculo vicioso”, argumenta Schymura.