Agronegócio terá uma safra para se adequar às exigências da Europa

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 08 de julho de 2023

O agronegócio brasileiro terá que correr contra o relógio para se adequar às novas diretrizes aprovadas recentemente pelo Parlamento Europeu, proibindo a entrada na União Europeia, entre outros produtos, de café, cacau, soja e seus derivados, madeira e seus produtos, gado bovino e carnes provenientes de áreas desmatadas, legal ou ilegalmente, a partir de 2020. As exigências geradas pela legislação europeia entrarão plenamente em vigor a partir de 2025, impondo novos desafios aos principais players do agronegócio brasileiro. Afinal, a região recepcionou 16% das exportações do setor no ano passado.

Na prática, o setor terá apenas o ano safra 2023/24 para fazer todos os ensaios e se preparar, criando mecanismos para segregar produtos originados em áreas livre de desmatamento daqueles obtidos de regiões classificadas pelos europeus como de alto risco de destruição de florestas. A indústria e o governo brasileiro dialogam para estabelecer uma negociação com a União Europeia de forma a acomodar a produção realizada em áreas desmatadas legalmente após a data de corte estabelecida pelos europeus. Conforme argumenta uma fonte do setor, além de autorizado, o desmatamento ocorreu antes do anúncio das novas diretivas. A ideia é que um percentual da produção agropecuária, algo entre 3% a 4%, não precise ser segregado no momento do embarque para portos europeus até 2025. A partir daquele ano, o compromisso global assumido pelos grandes players mundiais do agronegócio prevê o fim da originação de todo tipo de commodity produzida em áreas desmatadas.

Monitoramento e controle

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“A JBS não adquire animais de fazendas envolvidas com desmatamento de florestas nativas, invasão de terras indígenas ou áreas de conservação ambiental, ou que estejam embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, declara Maurício Bauer, diretor de sustentabilidade da JBS Brasil. De acordo com ele, a companhia da mesma forma não compra animais de pecuaristas “envolvidos em violência rural, conflitos agrários ou que utilizam trabalho forçado ou infantil, bloqueando quem estiver na lista suja do trabalho escravo”. Para evitar e combater fraudes aos sistemas de monitoramento e controle desenvolvidos pela empresa, prossegue Bauer, a JBS monitora diariamente pouco mais de 80,0 mil fazendas, distribuídas ao longo de 91,0 milhões de hectares, área equivalente aos territórios da França e da Alemanha somados. “Nesse trabalho, 15,0 mil fazendas já foram bloqueadas por descumprirem a Política de Compra Responsável de Matéria-Prima da JBS”, adianta o executivo.

Balanço

  • Bauer relembra que o frigorífico, mais produtor de proteína animal no mundo, foi a primeira empresa do setor de alimentos a anunciar, ainda em março de 2021, o compromisso de zerar o balanço líquido de emissões de gases formadores do efeito estufa até 2040, ou seja, “dez anos antes do prazo previsto pela maior parte de companhias e governos do planeta”. Durante a 27ª Conferência Climática das Nações Unidas (COP27), realizada em novembro do ano passado em Sharm el-Sheikh, no Egito, a JBS e um grupo de empresas globais de produção de alimentos e comercialização de grãos definiram um roteiro global para assegurar o cumprimento da meta de conter o avanço da temperatura do planeta em 1,5°C.
  • Mesmo antes dessas iniciativas, pondera Bauer, a JBS mantém, desde 2009, um sistema de monitoramento geoespacial da cadeia da pecuária bovina em sua área de atuação, cobrindo fornecedores diretos. Em 2021, o grupo implantou a plataforma Pecuária Transparente, que utiliza tecnologia blockchain para monitorar os elos anteriores da cadeia de suprimentos. “A partir de 1º de janeiro de 2026, somente os fornecedores que estiverem na plataforma poderão vender animais para a companhia”, adianta Bauer.
  • No ano seguinte à sua criação, em 2021, a BP Bunge Bioenergia antecipou ao mercado suas metas ESG cobrindo os primeiros 10 anos de operação, integralmente alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), nas palavras de Rogério Bremm, diretor agrícola da empresa. Desde lá, a empresa tem se dedicado a recuperar áreas de preservação permanente e de reserva legal degradadas próximas de suas unidades, com plantio de espécies nativas do Cerrado e da Mata Atlântica.
  • O viveiro instalado na unidade de Ituiutaba (MG), com capacidade anual para produção de 200 mil mudas nativas, de mais de 100 espécies, permitiu à empresa intensificar as atividades de reflorestamento, conforme Bremm. “Nossa meta contempla o plantio de 2,3 milhões de mudas de espécies nativas até 2030. Apenas na safra 2021/22, foi realizado o plantio de 365.592 mudas”, relata. A política de arrendamento de terras da empresa, acrescenta Bremm, considera exclusivamente “áreas caracterizadas como de uso consolidado, ou seja, sem conversão de vegetação em áreas de cultivo de cana de açúcar”.
  • “Assumimos o compromisso para construir cadeias de suprimentos livres de desmatamento e conversão até 2030, num trabalho que se constrói dia após dia, com o envolvimento de diversos elos”, resume Letícia Kawanami, gerente de sustentabilidade da Cargill. Desenvolvido pela multinacional e implementado pelo Instituto BioSistêmico (IBS), o Programa 3S (Soluções para Suprimentos Sustentáveis) permite realizar um diagnóstico das fazendas de soja destinado a alimentar “um programa vasto de melhorias contínuas”, além de certificar o grão, facilitando a entrada do produto em mercados específicos, na descrição de Letícia. “Hoje, o Programa 3S já é referenciado e reconhecido como equivalente ao nível Prata da norma FSA (sigla em inglês para Avaliação de Sustentabilidade da Fazenda)”, afirma.
  • De acordo com Letícia, a Cargill alcançou 100% de monitoramento da soja comprada diretamente pela companhia no Brasil. “Com suporte da tecnologia”, aponta a executiva, “a rastreabilidade permite identificar a origem daquele grão, a área em que foi cultivado e se foram seguidas normas, por exemplo, como os requisitos básicos da Moratória da Soja, compromisso assumido pelo setor para alcançar desmatamento zero após 2008”.