Queda nos preços das commodities tende a segurar economia em 2024

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 07 de julho de 2023

A alta nos preços internacionais das commodities minerais, puxada pelo minério de ferro e petróleo, e a escalada nas cotações externas dos principais produtos da agropecuária, com destaque para soja, milho, algodão, açúcar, carnes, celulose e papel, sustentaram algum nível de crescimento para a economia nos últimos três anos ou pelo menos impediram um mergulho mais severo da atividade econômica. Daqui em diante, no entanto, os ventos estão virando e a redução naqueles preços desde os últimos meses de 2022, associada a uma tendência de valorização do real frente ao dólar, movimento intensificado neste ano, “deverão levar a um choque negativo relevante na renda real gerada pelo setor de commodities nos próximos trimestres e em 2024”, anota o economista e diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Luiz Guilherme Schymura, com base em trabalho desenvolvido pelo pesquisador associado do Ibre/FGV, Bráulio Borges.

O alerta está na Carta do Ibre, divulgada na edição deste mês da revista Conjuntura Econômica, que toma como base estudo aprofundado produzido por Borges especialmente para a publicação. Redigida tradicionalmente pelo diretor do Ibre, a carta tem se ocupado de temas macro e, em alguns casos, microeconômicos de interesse do País e não raramente desconsiderados ou pouco explorados pelo pensamento econômico dominante.

Conforme Schymura, seu colega observa ainda que, “na prática, a renda do setor de commodities ajudou muito o PIB brasileiro nos últimos dois a três anos, este ano ainda vai ajudar, mas em 2024 vamos ter um impulso negativo de renda relevante associado a esse setor”. Isso deverá se traduzir num avanço ainda mais modesto do Produto Interno Bruto (o PIB mencionado logo acima) no próximo ano e um impulso mais contido ao longo do exercício em curso. As conclusões e observações de Borges, fosse outra a presidência do Banco Central (BC), certamente deveriam ter consequências sobre a política monetária, vale dizer, sobre a política de juros escorchantes imposta a todo o País por um conservadorismo anacrônico.

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Fora do radar

Na leitura de Schymura, “Borges têm dúvidas sobre a presença, no radar dos analistas do mercado e do Banco Central, desse choque negativo de renda no setor de commodities até o final de 2024. ‘É um impulso negativo relativamente exógeno e relevante sobre a demanda agregada no ano que vem, e, nesse contexto, talvez a Selic possa cair bem mais do que se projeta hoje’, aponta”. Trata-se de uma avaliação cautelosa, porque, na prática, a taxa básica de juros poderia já estar em queda, até por conta dos níveis excessivos atualmente em vigor, com uma taxa real já superior a 9,0% ao ano quando descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses.

Balanço

  • Nas projeções de Borges, prossegue Schymura, o chamado “valor adicionado a preços básicos” (o “PIB” do setor, descontados os impostos sobre consumo) da agropecuária, que chegou a R$ 727 bilhões em 2021, baixando para R$ 676 bilhões no ano seguinte (recuo de 7,0%), deverá recuar para R$ 630 bilhões neste ano (caindo 6,8%), atingindo R$ 625 bilhões em 2024 (num recuo de 0,8%), a preços do primeiro trimestre de 2023 com base no “deflator do PIB total” (a taxa de variação dos preços nos grandes setores das contas nacionais, adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para deflacionar o PIB e definir sua variação real).
  • Nessa conta, haveria um tombo acumulado de 14,0% entre 2021 e 2024. Essa queda deverá ser expandida em alguns pontos pela redução projetada por Borges para o valor adicionado do setor de extração mineral, que inclui principalmente petróleo e minério de ferro. Nesta área, o valor adicionado tende a cair de R$ 463 bilhões no ano passado para R$ 365 bilhões neste ano (num tombo de 21,0%), alcançando R$ 350 bilhões em 2024 (menos 4,0%), acumulando retração de 24,4% em dois anos.
  • As perdas do valor adicionado pelas commodities ao PIB podem ser maiores, já que as projeções de Borges levaram em conta uma taxa de câmbio próxima a R$ 5,00 por dólar. Na média dos últimos 30 dias, a cotação estava, até ontem, mais próxima de R$ 4,83. Mas este é um ponto, de toda forma, de difícil previsão, ainda que a persistência dos juros nas alturas tenda a promover uma valorização do real frente ao dólar.
  • De toda forma, na contramão do que ocorreu entre 2020 e 2022, o “choque de renda do setor de commodities (…) será liderado pela evolução dos preços relativos”, mas desta vez com sinal negativo. O choque, “até pelo menos o final de 2024”, prossegue Schymura, virá de uma queda da renda no setor produzida pela redução dos preços.
  • Nas projeções de Borges para o PIB, anota ainda o diretor do Ibre, “ele (Borges) vê crescimento em volume da agropecuária de 12,5% este ano e 2% em 2024, mas com queda de preços de 10% em 2023 e alta de apenas 2% no ano que vem. Já o setor extrativo mineral deve crescer em volume 4,5% e 5%, respectivamente, em 2023 e 2024, mas com queda de preços de, respectivamente, 21% e 4%”.
  • Num olhar mais de médio e longo prazo, no entanto, Schymura acrescenta que “o pesquisador vê a possibilidade de que a renda de commodities volte a se elevar, puxada mais por volume do que por preços”, diante da perspectiva de salto de quase 80% esperado para a produção brasileira de petróleo e gás até o final da década. “Também lembra que a nova ‘corrida pelo ouro’ associada à transição energética mundial vem impulsionando a demanda pelos chamados minerais críticos, tais como lítio, cobre e níquel”, pontua ainda, acrescentando que o País “possui elevadas reservas de boa parte desses minerais e, de fato, levantamentos do setor apontam para forte elevação dos investimentos na mineração em nosso país nos próximos anos, puxados por cobre e lítio”.
  • Num exercício contrafactual, Borges estima um crescimento adicional do PIB de 8,0% “ ao longo de aproximadamente três anos” (2020 a 2022) por conta da alta das commodities minerais e agrícolas, o que “representa cerca de 2,4 pontos percentuais a mais por ano, em média”, anota Schymura. Para Borges, todas as indicações “apontam para um fenômeno muito mais explicado por ‘sorte’ do que por ‘mérito’, já que, tanto no caso do setor agropecuário como no do extrativo, os volumes produzidos em 2020-2022 cresceram menos do que o PIB total no mesmo período. A elevação da renda, portanto, foi puxada pela alta do preço internacional e pela forte depreciação do real”, aponta o diretor do Ibre.