Alta da taxa básica faz quase triplicar gastos com juros entre março e outubro

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 11 de dezembro de 2021

A se confirmar a decisão de mais uma alta de 1,5 ponto de porcentagem na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no início de fevereiro do próximo ano, o Banco Central (BC) terá perpetrado o mais duro choque de juros desde o final dos anos 1990, quando a economia foi à breca, quebrou literalmente, e o governo de plantão teve que pedir socorro ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para honrar pagamentos da dívida externa. A perspectiva de uma crise externa está fora do cenário desde o final da primeira década deste século diante do aumento expressivo das reservas internacionais operado naquela época, tornando o Brasil um credor líquido lá fora (ou seja, o saldo das reservas em moeda forte supera com alguma folga o estoque total do que o País deve no mercado internacional).

A política de congelamento virtual do dólar a partir do Plano Real, lançado no início de 1994, produziu graves desequilíbrios nas contas externas, com déficits crescentes nesta área. O BC fez então disparar a taxa de juros básicas, que saltou de apenas 1,0% em outubro de 1997 para incríveis 45,0% ao ano no começo de março de 1999. O objetivo, então, era atrair dólares e, claro, oferecer garantias aos donos do dinheiro de que não teriam perdas ao longo do processo. Até porque, a inflação vinha em desaceleração, saindo de 12,02% nos 12 meses encerrados em outubro de 1996 para 5,42% no mesmo mês do ano seguinte e chegando a 3,02% em março, igualmente considerando a taxa acumulada em um ano.

Na rodada em curso – e que pode não ser interrompida em fevereiro próximo, já que o mercado antecipa juros básicos na faixa de 12,5% ao longo de 2022 –, os juros básicos deverão registrar elevação de 8,75 pontos em praticamente 12 meses, saindo de 2,0% ao ano em março deste ano.Nas estimativas do próprio BC, cada elevação de um ponto de porcentagem nos juros, a dívida bruta do governo central tende a sofrer elevação equivalente a R$ 33,9 bilhões caso a taxa seja mantida durante 12 meses, significando 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Um aumento de 8,75 pontos corresponderia a uma despesa adicional de R$ 296,63 bilhões, algo em torno de 3,5% do PIB. Mas a alta já realizada da taxa básica de juros tem produzido estragos sensíveis, ajudando a elevar o endividamento do setor público.

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A escalada

Em março deste ano, considerando apenas a dívida pública amarrada à taxa básica (ou seja, à chamada taxa Selic), as despesas com juros haviam somado R$ 6,284 bilhões, saltando para R$ 17,258 bilhões em outubro, num aumento de 174,62%. Tomando todo o saldo da dívida bruta, o gasto mensal com juros avançou de R$ 38,944 bilhões para R$ 53,348 bilhões, numa variação de 37,0%. Os juros subordinados à taxa básica responderam por 76,2% desse incremento, o que demonstra nitidamente o impacto pernicioso da política de juros altos sobre a própria gestão fiscal, forçando o governo a produzir superávits primários crescentes (receitas menos despesas, excluídas despesas financeiras) apenas para fazer frente aos juros incidentes sobre a dívida pública. Toda essa montanha de recursos, perto de R$ 390,0 bilhões apenas nos dez primeiros meses deste ano, inteiramente consumidos pelos juros, transitam fora do orçamento, não estão sujeitos ao escrutínio do Congresso e são livremente movimentados pela autoridade monetária sem a devida prestação de contas aos parlamentares e aos cidadãos.

Balanço

  • O choque de juros terá impactos sobre o lado real da economia, ao encarecer o crédito ainda mais, desestimular investimentos, adiar decisões de consumo por empresas e pelas famílias, gerando mais desaquecimento da atividade econômica e provavelmente mais desemprego, além de representar uma transferência de renda exatamente para os muito ricos, concentrando riquezas num país recordista em desigualdades e exclusão.
  • O ponto central, aqui, diz respeito precisamente ao desempenho da economia nesta fase de alta de preços. A produção industrial e as vendas do varejo têm murchado mês a mês, num comportamento que não pode ainda ser atribuído à retomada da política de elevação dos juros básicos. Esses efeitos serão percebidos mais claramente ao longo do próximo ano, o que tem sido refletido, de certa forma, nas projeções do mercado para o PIB de 2020, que já trabalha com estimativas muito próximas de 0,5% (diante de alguma coisa próxima a 4,7% para este ano).
  • Parece claro, a esta altura, que a demanda tem pouco a ver com a retomada do processo inflacionário. Objetivamente, os preços não parecem estar subindo porque consumidores, empresas e governos têm gastado demais. O setor público consolidado, incluindo os governos federal, estaduais e municipais, acumulou superávit primário de R$ 49,570 bilhões entre janeiro e outubro deste ano, o que se compara com o rombo de R$ 632,973 bilhões registrado nos mesmos dez meses do ano passado. Processou-se um ajuste do tamanho de R$ 682,543 bilhões no período.
  • Divulgado na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) recuou de 1,25% em outubro para 0,95% em novembro (ainda a taxa mais elevada para o mês desde 2015). Os aumentos nos preços da gasolina (7,38%), do etanol (10,53%), do óleo diesel (7,48%), do gás de botijão (2,12%) e da energia residencial (1,24%) respondem por 70,4% da inflação de novembro.
  • Os aumentos ali não estão relacionados a uma demanda supostamente muito aquecida, versão desmentida pelos dados do mesmo IBGE. Os combustíveis subiram por conta da política de alinhamento automático dos preços domésticos aos valores cobrados no mercado internacional, o mesmo ocorrendo com o botijão de gás, numa combinação que inclui ainda os efeitos da alta do dólar sobre os preços internos daqueles itens. A energia, como se sabe, continua subindo no embalo da crise hídrica e de reajustes anuais conferidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) às tarifas cobradas pelas distribuidoras.
  • Mas o que ocorreu com os demais preços? Excluídos combustíveis, gás de cozinha, energia e passagens aéreas (item que tem apresentado grande volatilidade, alternando fortes altas e quedas igualmente acentuadas), a inflação expressa pela variação média dos demais preços na economia recuou de 0,76% em outubro para 0,32% em novembro.
  • Na média dos chamados “núcleos da inflação”, medida que exclui produtos que em geral apresentam oscilações vigorosas, para baixo e para cima, entre outros ajustes, a taxa baixou de 0,93% para 0,61%.