Alta dos juros trará despesas duas vezes mais altas do que custo dos precatórios

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de setembro de 2021

A alta dos juros projetada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) até o próximo ano causará um estrago mais de duas vezes maior do que o impacto alardeado pela equipe econômica em função do pagamento dos precatórios que vencem em 2022. Ontem, o comitê decidiu, pela quinta vez consecutiva, elevar os juros básicos em um ponto de porcentagem, para 6,25% ao ano. Desde 17 de março deste ano, a taxa básica foi aumentada em 4,25 pontos e novos aumentos estão a caminho.

Segundo nota divulgada ao final da reunião do Copom, já parecem assegurados mais duas altas, cada uma de um ponto de porcentagem, nas reuniões agendadas para os dias 26 e 27 de outubro e 7 e 8 de dezembro, o que elevaria os juros para 8,25% se nada mudar no “cenário prospectivo” imaginado pela direção do Banco Central (BC). Em 2022, por enquanto, o Copom opera com a perspectiva de mais uma elevação, agora mais modesta, de “apenas” 0,25 ponto de porcentagem, levando a taxa para 8,5%.

A se confirmar o cenário trabalhado pelo Copom, que projeta uma inflação de 8,5% para este ano (o que se significaria uma redução frente ao índice de 9,68% acumulado nos 12 meses terminados em agosto deste ano) e taxas de 3,7% e de 3,2% para 2022 e 2023, respectivamente, a chamada “taxa Selic” terá subido 6,5 pontos desde seu ponto mais baixo, historicamente, registrado entre 6 de agosto de 2020 e 17 de março deste ano, quando os juros ficaram em 2,0% ao ano. A experiência durou pouco mais de nove meses. O País está de volta ao seu “normal”, com a política monetária, exercida pelo BC “independente e autônomo”, totalmente capturada pelos mercados.

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Política irracional

O aumento dos juros cobrará mais adiante uma conta salgada, gerando déficits nominais crescentes, o que exigirá a emissão de novos títulos da dívida federal para pagar aquela despesa financeira. Mais claramente, a alta dos juros vai criar mais despesas que serão financiadas pela emissão de títulos, que vão resultar em maior endividamento, agravando, portanto, o tal “risco fiscal” sempre alardeado pelos mercados quando querem que o BC aumente os juros. Parece complicado ou paradoxal? Nada. É irracional mesmo. Algumas contas básicas ajudam a entender o tamanho dessa irracionalidade.

Balanço

  • Entre julho do ano passado e o mesmo mês deste ano, o saldo da dívida bruta do governo geral amarrado à taxa básica de juros chegou a cair de R$ 3,272 trilhões para R$ 3,031 trilhões, refletindo parcialmente a redução dos juros operada, na verdade, desde o final de 2016, ainda de forma bastante tímida e gradual. Apenas naqueles 12 meses, houve um alívio de R$ 241,209 bilhões. Nada desprezível, portanto.
  • Considerando o estoque da dívida referenciada à taxa Selic em julho deste ano e supondo que os juros fossem mantidos em 2,0% ao ano por um período de 12 meses, sem considerar o restante da dívida, o gasto financeiro nesse período poderia ser estimado em R$ 60,6 bilhões, em grandes números.
  • Mas se os juros básicos forem mantidos em 8,5% ao longo de um ano, o gasto com juros, apenas nessa parcela da dívida, saltaria para R$ 257,6 bilhões. Ou seja, haveria um gasto adicional muito próximo de R$ 197,0 bilhões. Qual a dimensão dessa despesa? Para avaliar, basta comparar com o valor dos precatórios que a União teria que liquidar no próximo ano, por força de decisão judicial, somando R$ 89,1 bilhões. Feitas as contas, o aumento nas despesas financeiras representará 2,2 vezes mais do que o custo dos precatórios.
  • São dívidas que o governo federal não pagou e que geraram cobranças judiciais. O Tesouro foi derrotado na Justiça e deveria ser obrigado a pagar, conforme prevê a Constituição. Mas quer empurrar essa obrigação com a barriga, por meio de subterfúgios e chicanas parlamentares e fiscais, escorado na desculpa do tal “teto de gastos”. Mais grave: parte dos precatórios referem-se a dívidas não honradas pela União com os governos estaduais por conta de recursos que deixaram de ser repassados para a educação.
  • Num cenário assim, não deixa de ser irônica a argumentação desenvolvida pelo Copom para justificar mais um aumento nos juros. Segundo a nota do comitê, “novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do País. Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”.
  • Sim, é isso mesmo. O socorro aos miseráveis, aos deserdados da pandemia, aos desempregados sem opções de renda e de sobrevivência, portanto, ameaça o “equilíbrio fiscal”, gera “pressões de demanda” e inflação. Nesse cálculo, obviamente, os impactos da alta dos juros sobre a sustentabilidade fiscal são totalmente desprezados, sequer entram nas preocupações da equipe econômica. A transferência de renda para o setor financeiro, decorrente dos aumentos nos juros, não são uma ameaça, não parecem ter importância macroeconômica, não agravam o “risco fiscal”.